O poço e o pêndulo

Você já deve ter visto (ou mesmo feito) isso: dada uma questão que admite apenas duas respostas possíveis -- "menino ou menina?", "ela me ama?" e "devo sair do emprego?" são fórmulas clássicas --, pega-se um pequeno objeto pesado (pode ser um anel, um chumbinho de pesca, uma pedra) amarrado à ponta de um fio, barbante ou corrente. Segura-se o tal barbante, etc., de forma que o objeto fique suspenso, seu peso mantendo o fio esticado. E espera-se.

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Por Redação
Atualização:

Depois de algum tempo -- geralmente não muito -- o objeto vai começar a se mover. Ele pode oscilar para frente e para trás ou para a direita e para a esquerda, ou ainda girar, no sentido horário ou anti-horário. Antes de começar o exercício, você deve ter adotado uma convenção para distinguir os sinais: por exemplo, "frente-atrás" é "sim", "esquerda-direita" é "não", ou vice-versa.

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O que está acontecendo? O objeto parece se mover por conta própria! Seria magnetismo animal, ondas gravitacionais, transmissão de fluidos etéreos, a detecção de táquions trazendo informação do futuro? Uma pista sobre a verdadeira fonte do movimento pode ser obtida com um experimento simples: feche os olhos, respire fundo e relaxe. Isso. Relaxe. Agora, abra os olhos (se você estava de olhos fechados, não há como ter lido esta instrução, claro. Ela está aqui apenas para efeito retórico).

O movimento parou.

O "pêndulo explorador" é um exemplo do chamado efeito ideomotor, uma reação involuntária e inconsciente dos músculos em resposta aos pensamentos da pessoa. Muita gente acha essa definição estranha -- como uma reação aos pensamentos pode ser inconsciente? -- mas se você se lembrar de como sua expressão facial costuma trair suas emoções, a coisa se torna autoevidente. E, afinal, para corar ou chorar de forma consciente e voluntária, geralmente é preciso ser um ator.

O fenômeno também é um exemplo de como uma questão pode continuar a ser tratada como algo místico e misterioso quase dois séculos depois de o caso ter sido satisfatoriamente encerrado pela ciência -- ou, como não basta um fato sólido para matar mil superstições vaporosas. Senão, vejamos.

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A expressão "efeito ideomotor" foi usadapara descrever esse tipo de ocorrência,pela primeira vez, na década de 1850. E mais de vinte anos antes, o aparente poder oracular dos pêndulos já havia sido analisado, por meio de experimentos detalhados, pelo químico francês Michel Eugène Chevreuil, que descreveu suas conclusões numa carta a Ampère -- o mesmo sujeito que iria dar nome à unidade de corrente elétrica -- de 1833.

Na época de Chevreuil, a ideia era de que o pêndulo reagia de modo diferente a diferentes substâncias, movendo-se de uma forma sobre ouro e de outra sobre mercúrio, por exemplo.

O químico primeiro testouse um obstáculo entre o pêndulo e a substância a ser detectada faria o oráculo parar. E --mirabili dictu! -- foi o que aconteceu. Em seguida, no entanto, Chevreuil sofisticou o procedimento, vendando os olhos e fazendo com que o obstáculo fosse colocado ou removido sem tomar conhecimento do que ocorria.

Resultado: o pêndulo reagia ao que o cientista acreditava que estava acontecendo, e não aos fatos reais. Escreveu Chevreuil, em 1833:

"Esta é a interpretação que dou a estes fenômenos: quando segurei o pêndulo em minha mão, um movimento muscular de meu braço, embora imperceptível para mim, moveu o pêndulo (...) uma vez que as oscilações começaram, elas logo foram aumentadas pela influência exercida pela visão (...) Esse movimento muscular, mesmo ampliado dessa forma, é fraco o bastante para parar, não direi pelo comando da vontade, mas apenas pelo pensamento de ver se isso ou aquilo vai detê-lo."

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Experimentos realizados de lá para cá também demonstraram que o efeito ideomotor está por trás de outros "fenômenos misteriosos", como o uso de forquilhas e varas para encontrar água ou a famigerada "brincadeira do copo" que tanto assusta as crianças (ou assustava, no meu tempo).

Ah, sim: se você entrou nesta postagem procurando o conto de Edgar Allan Poe, ele pode ser encontrado aqui, em inglês.

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