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70% do sal consumido no Brasil é adicionado aos alimentos pelo próprio consumidor, segundo levantamento da indústria

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Por Herton Escobar
Atualização:
FOTO: Filipe Araujo/Estadão  Foto: Estadão

Herton Escobar / O Estado de S. Paulo

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O brasileiro consome duas vezes mais sódio do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a maior parte disso deve-se à adição de sal de cozinha à comida pelos próprios consumidores, segundo um levantamento feito pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia). Apenas um quarto é proveniente de alimentos industrializados, segundo a pesquisa, que transfere para os consumidores a maior responsabilidade sobre a redução do consumo excessivo de sódio e dos seus efeitos malignos sobre a saúde.

"O grande inimigo é o sal comprado", disse ao Estado o presidente da Abia, Edmundo Klotz. "Não nos isentamos da nossa parcela de responsabilidade, mas é uma verdade que precisa ser dita. Não somos nós que estamos envenenando as pessoas."

O estudo foi compilado pela Abia, mas é baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - mais especificamente, da Pesquisa Anual de Serviços de 2009 e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009. "Inventava-se um monte de histórias sobre nós e não tínhamos uma pesquisa para rebater essas críticas. Então pegamos uma pesquisa neutra, feita pelo governo por outros motivos, e achamos as respostas que precisávamos", afirma Klotz. "Os dados são incontestáveis e altamente confiáveis."

Segundo o estudo, o brasileiro consome em média 4,46 gramas de sódio por dia (o limite recomendado pela OMS é 2 gramas), sendo que 23,8% disso é ingerido por meio de produtos industrializados ou semielaborados (como macarrão, pães, salsichas, bolachas, salgadinhos, carne ou frango temperados), 4,7% via alimentos in natura (como frutas e verduras) e 71,5%, via sal de cozinha, que é adicionado à comida na forma de tempero.

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"É basicamente na sua casa que você está consumindo muito sal", diz o endocrinologista Alfredo Halpern, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, convidado pela Abia a comentar o estudo. "O mais importante é educar o consumidor; não adianta só jogar a culpa na indústria porque isso não vai resolver o problema."

"O vilão não é a indústria, é o estilo de vida", diz o médico Daniel Magnoni, chefe dos serviços de Nutrologia e Nutrição Clínica do Hospital do Coração (HCor). Um dos principais problemas, segundo ele, é a tendência cada vez maior de as pessoas comerem fora de casa, em lanchonetes, padarias e restaurantes self-service. "O alimento fora de casa costuma ter mais sal, porque é mais ao gosto do brasileiro", diz.

Questionamentos. Outros especialistas discordam do cenário apresentado pela pesquisa. "Não é isso que a gente vê no dia a dia do consultório ou nas avaliações clínicas do hospital", afirma o médico Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da USP. "A fonte principal costuma ser o produto industrializado, inclusive o pão francês."

"É um parecer da indústria. Não concordo do ponto de vista médico", avalia a nutricionista Cristiane Kovacs, responsável pelo Ambulatório de Nutrição Clínica do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. "Não é essa a realidade que vemos nas entrevistas com os pacientes. Quando você coloca tudo na ponta do lápis, o maior vilão é o alimento industrializado."

Ela chama atenção para o fato de que o sódio, por si só, não tem sabor (é usado na indústria principalmente como um conservante), e por isso muita gente consome a substância sem saber, acreditando que o que faz mal à saúde é o sal. "O paciente reduz o sal na comida, mas acaba comendo sódio de outras maneiras", explica Cristiane. Um erro comum, segundo ela, é trocar o sal de cozinha por temperos prontos, industrializados, que possuem alto teor de sódio. Por isso, é importante olhar o rótulo dos produtos antes de consumi-los - e não apenas dos produtos salgados. "Até adoçante tem sódio", aponta Cristiane.

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Os alimentos com maior teor da substância, segundo ela, são os prontos para consumo e com prazo de validade mais longo (que utilizam o sódio como conservante), como salsichas, nuggets, bolachas e salgadinhos. "As mães precisam pensar muito na hora de preparar a lancheira dos filhos", alerta.

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"Todo mundo tem culpa, a indústria, o governo e o consumidor", diz a nutricionista Marcia Fideliz, presidente da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran). "Ainda que a parcela da indústria seja menor, isso não a exime de culpa. Tem um monte de produtos no mercado com muito mais sal e sódio do que deveria, porque assim fica mais gostoso e é mais fácil de vender. Por que só lançam produtos com sal? Por que não oferecem opções mais saudáveis para o consumidor?"

Acordos de redução. Nos últimos dois anos, a indústria assinou com o Ministério da Saúde três acordos para redução de sódio em uma série de alimentos, incluindo macarrão instantâneo, pães, bolos, salgadinhos, cereais matinais, margarina, maionese, caldos e temperos preparados. Os acordos estabelecem limites máximos de sódio para cada tipo de produto, de modo que o porcentual de redução exigido varia de acordo com os teores de cada marca.

No caso dos biscoitos doces recheados, por exemplo, o teor máximo acordado (para ser atingido até 2014) é de 265 miligramas de sódio para cada 100 gramas de alimento, o que exigirá uma redução de até 55% dos teores atuais, no caso de algumas marcas, segundo informações da Abia. Nas margarinas vegetais, o corte poderá chegar a 56% até 2015, enquanto que no pão francês, a redução média chegará próximo de 10%.

As metas são estabelecidas com prazo de cumprimento de dois anos. Um quarto acordo está sendo negociado agora para redução de sódio em embutidos, laticínios e refeições prontas.

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Segundo a coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Patricia Jaime, os produtos selecionados são aqueles que mais contribuem para o consumo de sódio na dieta da população.

O objetivo é reduzir gradualmente os níveis de sódio dos alimentos brasileiros, até atingir os níveis mais baixos praticados no mundo. "Não dá para fazer uma redução drástica de uma vez só; tem de haver um tempo de adaptação do paladar do consumidor e das tecnologias de produção na indústria", ressalta ela, lembrando que o sódio é um ingrediente básico de consistência, estabilidade e conservação dos alimentos.

Patricia não se surpreendeu com o números da Abia. Ela concorda que o sal de cozinha tem uma participação significativa no consumo de sódio, mas observa que a contribuição dos alimentos industrializados vem aumentando nos últimos anos e tende a continuar crescendo, por causa dos hábitos das pessoas de comer "na rua" e de consumir cada vez mais alimentos preprocessados - mesmo dentro de casa -, por causa da praticidade. "Se você comparar a participação dos alimentos industrializados na POF 2002-2003 com a da POF 2008-2009, houve um aumento de quase 20%", diz.

O estudo da Abia considera apenas os resultados de 2008-2009, que é a POF mais recente. A coleta de dados da próxima pesquisa do IBGE começará em 2014, para ser publicada em 2015, segundo Patricia. "Não há nada que sinalize que haverá uma redução dessa tendência", diz ela.

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FONTE: ABIA  Foto: Estadão

Perigos para a saúde: Hipertensão é o principal problema associado

O consumo excessivo de sódio aumenta consideravelmente o risco de doenças cardiovasculares, como a hipertensão arterial, que são a principal causa de morte no Brasil. "Sódio em excesso mata", resume, categoricamente, o médico Daniel Magnoni, do Hospital do Coração (HCor). "Não é que você vai ter um enfarte no dia seguinte de comer uma batatinha com sal, mas você vai ter mais doenças e seu risco de morte vai aumentar."

O sódio retém água no sangue e em outros tecidos, causando "inchaço" e elevação da pressão arterial. O risco é especialmente alto para pessoas que são geneticamente mais "sensíveis ao sal", que representam entre 15% e 20% da população, segundo o especialista Alfredo Halpern, da Faculdade de Medicina da USP. Nelas, há uma relação direta entre o consumo de sódio e a hipertensão, enquanto que, em outras pessoas, o sódio aparece dentro de um menu de substâncias associadas a maus hábitos alimentares que levam à obesidade e a uma série de doenças associadas, como a diabetes e a arteriosclerose.

Na família da dentista Angela dos Santos Siqueira, por exemplo, vários desses fatores estão presentes. O marido de Angela é hipertenso e uma das três filhas, de apenas 11 anos, é obesa e já apresenta sintomas de diabetes e pressão alta. A família nunca teve hábito de botar sal na comida, mas também não prestava atenção ao sódio contido nos alimentos industrializados. "Quando reduzimos o consumo desses produtos houve uma melhora significativa nos exames", conta Angela.

Com orientação de uma nutricionista, ela substituiu os alimentos industrializados por um cardápio mais "natural", à base de vegetais, peixes e carnes frescas, preparadas com tempero caseiro. Salsichas, linguiças e frios sumiram do livro de receitas da família. "Até faço uma batatinha-frita, mas não é de pacote, é feita em casa, da batata mesmo. Não compramos mais quase nada processado", diz Angela. "Confesso que para mim, na correria do dia a dia, era muito mais fácil assar uns nuggets ou cozinhar umas salsichas do que fazer o que a nutricionista pede, mas não dava mais."

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O ferramenteiro aposentado Reinilton Pereira Guedes, de 64 anos, demorou um pouco mais para aprender a lição. Hipertenso desde 1995, ele sempre soube que consumir muito sal fazia mal à saúde, mas teimava em não reduzir o consumo.

"Era por teimosia mesmo; gostava de tudo bem temperado", admite Guedes. Dois meses atrás, resolveu, finalmente, seguir as orientações médicas do Instituto do Coração e cortou radicalmente o sal e a gordura da alimentação. O resultado foi imediato: "Perdi 11 quilos e minha saúde melhorou muito", conta. "Até a quantidade de remédio diminuiu."

O saleiro da casa foi abolido. Agora, Guedes só compra sal em sachês, "para controlar a quantidade", e come até salada sem nenhum tempero. "No início eu sentia uma grande diferença no sabor, mas agora já acostumei. A alface eu só lavo; não coloco nada, e mesmo assim desce que é uma beleza", diz.

FOTO: Epitacio Pessoa/Estadão : Reinilton Guedes, de 64 anos, cortou o sal até da salada.  Foto: Estadão

ENTENDA A DIFERENÇA

Sal e sódio são coisas diferentes: Sal (cloreto de sódio) é uma molécula formada de cloro e sódio (NaCl), e o que dá o sabor salgado a ela é o cloro, não. O sódio, por si só, não tem sabor.

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O que faz mal à saúde quando consumido em excesso é o sódio, não o sal. O sódio está presente em quase todos os alimentos industrializados; às vezes associado ao sal, às vezes não. É usado como conservante, principalmente, e também para dar consistência a determinados alimentos.

Cada 2,5 gramas de sal (uma colher) contém 1 grama de sódio.

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