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Aumenta o número de retratações na ciência. Mas porquê?

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Por Herton Escobar
Atualização:

Herton Escobar / O Estado de S. Paulo

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Notícias sobre fraudes e outras formas de comportamento antiético na ciência estão se tornando cada vez mais comuns. E não é por acaso: estatísticas mostram que o número de trabalhos científicos retratados (ou "despublicados") aumentou significativamente nas últimas décadas. Isso é fato.

Mas a pergunta que ninguém ainda consegue responder com muita certeza é a seguinte: O número de trabalhos retratados está aumentando porque os cientistas estão cometendo mais fraudes, ou simplesmente porque as fraudes estão sendo detectadas com mais facilidade agora do que no passado?

Quatro meses atrás, terminei uma reportagem com essa pergunta. (Veja: Aumento na ocorrência de fraudes preocupa cientistas) Agora, ainda não há uma resposta, mas já é possível especular sobre ela com um pouco mais de conteúdo.

Em um estudo publicado no dia 8 na revista PNAS, pesquisadores compararam o tempo decorrido entre a publicação e a retratação de 2.047 trabalhos indexados na base de dados PubMed (principal referência bibliográfica mundial na área da biomedicina) e concluíram que o tempo de retratação foi menor para os trabalhos publicados depois de 2002 do que antes de 2002 (24 meses versus 50 meses, aproximadamente). Em outras palavras: trabalhos com "problemas" foram retratados com mais rapidez nos últimos dez anos do que eram antes disso. O que sugere que o número de retratações está aumentando porque os "problemas" (sejam eles fraudes ou erros legítimos, cometidos de forma não intencional) estão sendo detectados com mais facilidade atualmente, e não necessariamente porque os cientistas estão cometendo mais fraudes do que cometiam antigamente.

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Em suas conclusões, os autores da pesquisa destacam que "a fabricação e falsificação de dados não é um fenômeno novo na ciência". (Fazem até uma referência a Gregor Mendel, o monge cientista que descobriu os princípios da hereditariedade mais de 150 anos atrás, e que teria "enviesado" os dados de suas observações para que elas concordassem melhor com suas teorias -- que, indiscutivelmente, estavam corretas no fim das contas.) Hoje, porém, parece haver um escrutínio maior, facilitado pelas tecnologias digitais, assim como uma resistência menor a fazer retratações, uma vez que o problema é identificado. "Uma melhor compreensão das causas fundamentais por trás das retratações poderá potencialmente guiar esforços para mudar a cultura científica e frear a perda de confiança do público leigo na ciência", escrevem os pesquisadores Grant Steen, Arturo Casadevall e Ferric Fang.

Os cientistas que cometem fraudes são uma minoria. Entre 1973 e 2011, segundo o artigo na PNAS, 21,2 milhões de trabalhos científicos foram publicados, e apenas 890 foram retratados por fraude (1 retratação para cada 23.799 publicações). Mas é uma minoria que faz barulho quando é descoberta, e que abala a confiabilidade da ciência como um todo.

O fato de um trabalho ter sido retratado não significa que seus autores tenham cometido alguma fraude (como adulteração ou fabricação de dados). A ciência não é perfeita. Cientistas são seres humanos que erram e se enganam como qualquer ser humano; e nesse contexto é importante que as retratações ocorram e que sejam feitas de forma transparente quando um erro é identificado. O problema é que muitas vezes é difícil separar a fraude do erro.

Um caso que se tornou emblemático desse dilema no Brasil é o que envolve o pesquisador Rui Curi, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. No final do ano passado, Curi foi acusado anonimamente, via internet, de manipular dados em várias de suas publicações. Em janeiro, a USP e o CNPq abriram investigações para elucidar o caso. Nenhuma dessas investigações foi concluída até agora. Curi reconhece que havia erros nos trabalhos, mas afirma que foram erros cometidos de forma não intencional, e que não alteram os resultados das pesquisas em questão. Desde então, dois trabalhos de Curi foram retratados e três, oficialmente corrigidos.

Para ler os posts anteriores sobre o caso, clique aqui.

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