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CNPEM busca novo diretor

O físico Rogério Cerqueira Leite, que estava como diretor-geral interino há dois anos, deixou a função em fevereiro. Ele acumulava o cargo executivo com a presidência do conselho administrativo do centro, e foi acusado de irregularidades por um ex-diretor. Ministério defende o físico e diz que situação está "equacionada"

Por Herton Escobar
Atualização:
 Foto: Estadão

O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) está em busca de um novo diretor-geral. O ex-diretor pro tempore, Rogério Cerqueira Leite, deixou o cargo em 23 de fevereiro, dois anos depois de assumir "interinamente" o posto no lugar do engenheiro e economista Carlos Américo Pacheco -- hoje diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp.

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O novo chefe será escolhido pelo Conselho de Administração do CNPEM, auxiliado por um Comitê de Seleção, que se reuniu pela primeira vez na última sexta-feira (13) para definir requisitos, procedimentos e prazos. A expectativa é que o processo dure cerca de três meses.

O Comitê de Seleção é composto pelo próprio Rogério Cerqueira Leite (que deixou a diretoria-geral do CNPEM, mas permanece como presidente do Conselho de Administração); pelo presidente da Capes, Abílio Baeta; pelo diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz; pelo bioquímico e especialista em cientometria Rogério Meneghini; e pelo engenheiro Evando Mirra de Paula e Silva, ex-presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

O CNPEM, localizado em Campinas, é uma organização social (OS) vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que abriga quatro grandes Laboratórios Nacionais -- de Biociências (LNBio), Luz Síncrotron (LNLS), Nanotecnologia (LNNano) e Bioetanol (CTBE); com um orçamento de aproximadamente R$ 75 milhões. O Conselho de Administração do centro possui 15 membros e sua composição pode ser vista aqui: http://cnpem.br/acesso-informacao/institucional/conselho-adm-e-diretoria/

Físico, com 86 anos, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e pela Universidade de Paris (Sorbonne), Cerqueira Leite preside o Conselho de Administração do CNPEM quase que ininterruptamente há mais de duas décadas (com um único intervalo entre 2011 e 2015), e antes disso já era presidente do Conselho Diretor do LNLS. É presidente de honra do CNPEM e tem grande influência sobre toda a administração do centro.

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O anúncio da busca pelo novo diretor-geral, com informações básicas para quem quiser se candidatar, foi publicado dia 16/03 no site do CNPEM: http://cnpem.br/cnpem-busca-novo-diretor-geral-2018/

Bastidores. A saída de Cerqueira Leite foi envolta em controvérsia. Sua decisão foi anunciada duas semanas após o ex-diretor do CTBE, Gonçalo Pereira, enviar uma carta ao ministro Gilberto Kassab com várias denúncias contra ele. Professor titular do Instituto de Biologia da Unicamp, especialista em engenharia genética e biotecnologia, Pereira foi demitido por Cerqueira Leite no fim de novembro, junto com mais de 20 integrantes da sua equipe de pesquisadores.

Na carta ao ministro, Pereira acusa Cerqueira Leite de acumular cargos e receber remuneração de forma indevida durante sua gestão. Após a saída de Pacheco, em março de 2016, cabia a Cerqueira Leite, como presidente do Conselho de Administração do CNPEM, iniciar o ritual para seleção de um novo diretor-geral. Em vez disso, nomeou-se diretor e passou a receber remuneração pelo cargo -- contrariando, segundo Pereira, a lei das organizações sociais (Lei 9.637/1998), que diz que membros do Conselho de Administração não podem receber remuneração e devem renunciar à vaga de conselheiro caso assumam uma função executiva dentro da organização. "Foi uma ilegalidade", afirma Pereira.

O acúmulo de funções também configurava um conflito de interesses, segundo Pereira, visto que uma das funções do conselho administrativo é justamente supervisionar o trabalho da diretoria-geral. "Ou seja, ele fiscalizava a ele mesmo."

Procedimentos. O Estatuto Social do CNPEM determina que, no caso de vacância do cargo de diretor-geral, um Comitê de Seleção deve ser constituído no prazo de 30 dias, e a escolha do novo diretor deve ser concluída no prazo de 90 dias. Esse processo não foi seguido após a saída de Pacheco, e Cerqueira Leite permanecia no cargo até o início deste ano. Após a demissão de Pereira, ele assumiu também, temporariamente, a diretoria do CTBE.

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Procurado pela reportagem, Cerqueira Leite negou ter cometido qualquer ilegalidade, apesar de reconhecer que o acúmulo de cargos não era a situação ideal -- e por isso ele teria decidido sair. "Eu estava há dois anos acumulando a presidência do conselho e a diretoria-geral. Isso não é muito regular, não é bom", disse. Segundo ele, tratava-se de uma situação emergencial. "Eu resolvi fazer isso porque achava que as coisas não estavam indo muito bem dentro do sistema", disse. A ideia inicial, segundo ele, era ficar como diretor interino durante três meses, mas os outros integrantes do Conselho de Administração teriam "insistido" para que ele continuasse, "apesar das inconveniências".

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"Eles percebiam que estava sendo necessário fazer algumas correções de rota, por isso eu fui ficando", justifica Cerqueira Leite. "Mas agora as coisas já estão mais ou menos ajustadas, então resolvi sair."

Seu mandato extendido como diretor-geral interino deveria ter se encerrado em 9 de fevereiro deste ano, mas numa reunião de 24 de novembro o Conselho de Administração aprovou uma nova extensão de seis meses. Assim, ele tinha mandato para permanecer como diretor-geral até agosto. "Resolvi sair um pouco antes porque realmente achava que dois anos acumulando as duas funções já era suficientemente ruim", disse Cerqueira Leite. "Embora o conselho consentisse que eu ficasse, eu não me sentia muito bem, porque o presidente do conselho supostamente tem a função de fiscalizar o diretor-geral e os outros diretores. Eu estava fiscalizando a mim mesmo, o que é uma coisa não muito desejável."

Apoio. A decisão, segundo ele, não teve nenhuma relação com a carta de Pereira ao MCTIC, apesar da coincidência temporal. "De jeito nenhum", disse Cerqueira Leite. "Pelo contrário, o ministro sempre me deu absoluto apoio."

Procurado pela reportagem, o MCTIC emitiu nota dizendo que "a atuação do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite no CNPEM está equacionada", e que "não há qualquer relação entre sua saída do cargo de diretor-geral e as alegações mencionadas na referida carta".

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"Por fim, o MCTIC destaca o importante papel de Rogério Cerqueira Leite, um dos principais cientistas brasileiros, e sua atuação em prol do desenvolvimento de diferentes linhas de pesquisa no Brasil", diz a pasta.

Para ocupar seu lugar como diretor-geral interino do CNPEM, Cerqueira Leite indicou (e o Conselho de Administração aprovou) o físico Adalberto Fazzio, diretor do LNNano e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física. Para o CTBE, ele indicou o físico Eduardo do Couto e Silva como diretor, e o biofísico Mario Tyago Murakami, como diretor científico.

Desavença. Cerqueira Leite disse que demitiu Pereira porque ele tinha "um comportamento que era inadequado para uma organização social que vive de recursos públicos", e estava transformando o CTBE num laboratório de "prestação de serviços" para a indústria da cana, em detrimento da pesquisa científica e tecnológica.

"Essa é uma declaração completamente irresponsável e desrespeitosa", rebateu Pereira, ressaltando que o CTBE cumpria "rigorosamente" todas as regras e demandas do Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos de controle.

Sobre a "prestação de serviços", Pereira diz que Cerqueira Leite não entende o processo de inovação, que envolve o desenvolvimento de projetos de pesquisa básica e aplicada em parceria com o setor privado, para simultaneamente gerar conhecimento científico e resolver problemas tecnológicos da indústria. "O que fizemos foi estabelecer a dinâmica da inovação", disse. "Como resultado tivemos um grande número de projetos com empresas, de diferentes tamanhos, e fomos o Laboratório Nacional com maior número de artigos publicados no período*. Não havia, de forma alguma, prestação de serviço."

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A rotatividade na diretoria do CTBE é alta: os dois diretores anteriores a Pereira também ficaram pouco tempo no cargo -- Paulo Mazzafera (14 meses) e Carlos Alberto Labate (22 meses) -- sendo que o mandato de cada diretoria é de três anos. Ao todo, incluindo as gestões interinas, foram 9 diretorias em 10 anos.

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*Atualização (23/4): Segundo a diretoria-geral do CNPEM, o CTBE foi o laboratório que menos publicou artigos científicos em 2017. Os dados constam do Relatório Anual do centro, disponível no link abaixo.

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