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Ciência sem Fronteiras ameaça "canibalizar" investimentos em pesquisa científica

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Por Herton Escobar
Atualização:

Herton Escobar / O Estado de S. Paulo

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ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O programa Ciência sem Fronteiras (CsF), principal bandeira do governo Dilma Rousseff no campo da educação superior, está se transformando num problema financeiro para a comunidade científica nacional. Segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2014, apresentado pelo governo federal ao Congresso em agosto, o programa deverá abocanhar no ano que vem uma fatia de quase R$ 1 bilhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal bolo de dinheiro federal que alimenta editais e programas de pesquisa do setor.

O valor representa cerca de um terço do dinheiro total do fundo, que deverá encolher cerca de R$ 38,6 milhões em 2014, segundo o PLOA, fechando o ano em R$ 3,38 bilhões. O Ciência sem Fronteiras deverá ficar com R$ 985 milhões disso, além de R$ 417 milhões que já estão reservados para o programa no orçamento direto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que gerencia o CsF em parceria com a Capes, do Ministério da Educação (MEC). No total, o programa deverá receber R$ 1,4 bilhão em recursos da área científica em 2014.

Consequentemente, o bolo de dinheiro federal disponível para investimentos em pesquisa será significativamente reduzido, segundo pesquisadores ouvidos pelo Estado no Fórum Mundial de Ciência, que ocorre esta semana no Rio de Janeiro. O tema não está na agenda oficial de debates, mas está na mente de todos os cientistas brasileiros que participam do evento.

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"Precisamos de recursos para pesquisa", disse o matemático Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). "De alguma forma esse valor (destinado ao Ciência sem Fronteiras) terá de ser compensado. Caso contrário, o impacto na pesquisa vai ser grande."

"O impacto é trágico", resumiu a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader.

O CNPq é a maior agência de fomento à ciência no País, e muitos dos seus programas de financiamento dependem diretamente do FNDCT. O orçamento direto do órgão deverá crescer ligeiramente (cerca de R$ 10 milhões) em 2014, chegando a R$ 1,73 bilhão, segundo o PLOA, mas a maior parte desse valor (cerca de R$ 1 bilhão) é obrigatoriamente destinada ao pagamento de bolsas (sem contar os R$ 417 milhões reservados para bolsas do CsF). O que sobra para investimentos em pesquisa sem o FNDCT, portanto, é pouco.

É a primeira vez que recursos do fundo são usados para bancar o Ciência sem Fronteiras. Entre os programas do CNPq que deverão sofrer reduções por conta disso estão os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), o Programa de Capacitação de Recursos Humanos para o Desenvolvimento Tecnológico (RHAE), e o Edital Universal, que financia cerca de 3,5 mil projetos de pesquisa por ano, além de outros editais e parcerias do CNPq com os Estados de uma forma geral.

"De fato, há uma preocupação muito grande para o ano que vem", reconheceu ao Estado o presidente do CNPq, Glaucius Oliva. "Estamos lutando para que esses programas sejam preservados."

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"O Ciência sem Fronteiras está canibalizando todo o sistema", afirmou um pesquisador, que pediu anonimato. A meta do programa é enviar mais de 100 mil alunos de graduação e pós-graduação para estudar no exterior até 2015.

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A área de ciência e tecnologia vem sofrendo com restrições orçamentárias desde o início do governo Dilma. Em 2011 e 2012, o orçamento do MCTI sofreu cortes consecutivos da ordem de 20%. Em 2013, recuperou-se e voltou ao nível de 2010. Agora, deverá sofrer uma nova ligeira redução, caindo de R$ 9,4 bilhões para R$ 9,3 bilhões, caso o PLOA seja aprovado no Congresso sem modificações. Já o orçamento do MEC, o outro braço do Ciência sem Fronteiras, tem uma previsão de aumento substancial, de R$ 81,2 bilhões para R$ 92,4 bilhões.

"O Ciência sem Fronteiras atende principalmente a alunos de graduação, o que não é o objetivo do FNDCT", avalia o físico Luiz Davidovich, diretor da Academia Brasileira de Ciências.

Ao reduzir os investimentos em pesquisa, segundo ele, o Brasil segue no caminho oposto de outros países emergentes, como a China, que no ano passado anunciou planos de aumentar os investimentos em pesquisa básica, ao mesmo tempo em que reduzia suas metas de crescimento, por conta da crise econômica global.

"Foi uma maneira inteligente de reagir à crise", avalia Davidovich. "Eles não estão aumentando os investimentos em pesquisa básica por amor à ciência; estão fazendo isso porque sabem que, mais tarde, esse investimento vai voltar na forma de protagonismo científico, tecnológico, industrial e econômico. Estão investindo em pesquisa agora para dar a volta por cima depois."

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Atualização (28/11/2013): O ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, enviou ao Jornal da Ciência, da SBPC, uma carta com comentários sobre a reportagem acima, que foi publicada em uma versão mais compacta na edição impressa do Estadão. Segundo o ministro, o investimento do FNDCT no Ciência sem Fronteiras deve ser visto, também, como um investimento em ciência, tecnologia e inovação, por meio da formação de recursos humanos mais qualificados para essas áreas.

A carta pode ser lida neste link: http://www.jornaldaciencia.org.br/links/Nota_JC_27nov2013.pdf

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