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GENOMA, 10 ANOS

Por Herton Escobar
Atualização:

Reproduzo abaixo um artigo que publiquei na edição impressa de hoje do Estadão sobre os 10 anos do sequenciamento do genoma humano, completados no dia 26/6 (com alguns acréscimos que tiveram de ser cortados do papel por falta de espaço):

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SEQUENCIAR É UMA COISA, ENTENDER É OUTRA

A grande promessa anunciada pelo sequenciamento do genoma humano era a medicina personalizada. Num futuro não muito distante, diziam, seríamos capazes de diagnosticar riscos e prescrever tratamentos perfeitamente adaptados ao DNA de cada paciente. Dez anos depois, a grande reclamação é que essa promessa não foi cumprida. Até agora. Não da maneira nem na escala que se gostaria, pelo menos.

Fracasso? Dinheiro jogado no lixo? De maneira alguma. O Projeto Genoma Humano foi, ainda é e sempre será um dos maiores feitos da história da ciência. A sequência de 3 bilhões de letrinhas, por si só, não resolve nada. É apenas uma lista de referência, um livro de consultas. Não soluciona nenhum problema. Não cura nenhuma doença. Mas faz o que toda boa ciência faz: levanta um monte de perguntas importantes, que não podiam ser feitas antes e abrem caminho - essas sim! - para uma série de aplicações científicas e tecnológicas. Entre elas, a tal medicina personalizada. Que, de fato, já existe, mas sua aplicação ainda é limitada por uma série de complicações de ordem científica, econômica e tecnológica. O principal problema é que o genoma humano é muito mais complexo do que se pensava. Mas só sabemos disso porque resolvemos sequenciá-lo.

Há casos de doenças que podem ser relacionadas a um único gene, uma única mutação. Mas elas são a exceção. Quase tudo que acontece no nosso organismo, na verdade, envolve a atividade de vários genes e também de regiões não gênicas, que não codificam proteínas, mas codificam mensagens internas de RNA, que controlam o funcionamento de um ou mais genes, que podem estar inseridos em pontos completamente diferentes do genoma.

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Soa complicado? Pois é.

O que vai trazer benefícios clínicos para o ser humano não é o sequenciamento do genoma, mas a compreensão das informações contidas nessa sequência. E, principalmente, das implicações de como ela varia de uma pessoa para outra. Pois é disso que depende a medicina personalizada. Se uma tal pessoa tem um A no lugar de um C, o que isso significa? Pode significar que o tumor dela vai entrar em metástase, em vez de ficar quietinho onde está. Ou que esse quimioterápico não vai funcionar para ela. Mas aquele outro vai. Ou pode não significar absolutamente nada.

É difícil saber. A medicina personalizada vai chegar, sem milagres, aonde for possível. Se não chegar, terá valido a pena assim mesmo. Esse "futuro não muito distante" da promessa precisa ser definido com cuidado. Dez anos, em ciência, não é tanto tempo assim. Ainda mais para um tema tão complexo quanto esse.

Além de entender melhor o genoma, é preciso baratear o sequenciamento. Hoje ele custa cerca de US$ 10 mil para um genoma humano completo. A meta é chegar abaixo de US$ 1 mil. E já tem gente falando em US$ 100. Uma vez que o custo seja suficientemente baixo, aí sim o sequenciamento poderá se tornar uma ferramenta clínica de rotina, usada para "escanear" o genoma dos pacientes e, com base nisso, fazer prognósticos mais precisos ou indicar tratamentos mais adequados ao perfil genético de cada um. Desde, é claro, que se saiba o que significam as diferenças entre um genoma e outro.

"Um genoma não nos diz nada se não tivermos algo com o que compará-lo", diz Radoje Drmanac, fundador e pesquisador da empresa Complete Genomics, que tem como objetivo sequenciar nada mais nada menos do que 1 milhão de genomas humanos nos próximos cinco anos. Parece muito, mas esse é o menor dos nossos problemas. A tecnologia avança rapidamente, e o sequenciamento pode ser feito por máquinas robóticas. Compreender e fazer uso das informações produzidas por elas, porém, é um desafio muito mais complexo, que só cabe ao cérebro humano resolver.

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"Muito em breve teremos o sequenciamento de US$ 1 mil. Aí sobrará só a interpretação de US$ 1 milhão", resumiu, muito bem, o pesquisador Pawel Stankiewicz, do Baylor College of Medicine, em uma passagem recente pelo Brasil, para a primeira São Paulo School of Translational Science, realizada no hospital AC Camargo. O melhor do genoma, certamente, ainda está por vir.

Abraços a todos.

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FOTO: No alto, capa da edição da Nature em que o primeiro rascunho e as primeiros estudos qualitativos do genoma humano foram publicados.

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