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Justiça não deve se confundir com política, diz professor da USP

Rogério Arantes será um dos palestrantes do USP Talks deste mês, sobre Judicialização da Política. Evento é aberto ao público e terá transmissão ao vivo pela internet.

Por Herton Escobar
Atualização:

Em quem você confia mais para decidir os rumos do país: Nos juízes ou nos políticos? No Supremo Tribunal Federal, no Congresso Nacional ou no Palácio do Planalto?

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Sucessivos escândalos de corrupção ao longo dos últimos anos corroeram a imagem do Legislativo e do Executivo, alçando o Poder Judiciário a um protagonismo sem precedentes na história política do Brasil e deflagrando uma espécie de guerra entre os poderes. Esse enfrentamento faz parte do jogo democrático, mas é preciso ficar atento para que o Judiciário não se transforme também num ente político.

"Quando os fins tomam o lugar dos meios, a justiça se converte em política, e aqui deve residir nossa maior preocupação", diz o cientista político Rogério Arantes, da Universidade de São Paulo, que será um dos palestrantes do próximo USP Talks, sobre Judicialização da Política. O evento é nesta quarta-feira, dia 26, no Teatro Cásper Líbero, das 18h30 às 19h30, com entrada livre e transmissão ao vivo pelo Facebook. Mais informações neste link: https://goo.gl/ZX2Gi6. Ao lado dele estará a também cientista política Luciana Gross Cunha, da FGV Direito SP.

O USP Talks é uma iniciativa da Universidade de São Paulo, em parceria com o Estadão e com apoio da Faculdade Cásper Líbero. Leia abaixo a entrevista concedida por Arantes ao projeto:

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Rogério Arantes é professor do Departamento de Ciência Política da USP. Foto: Helvio Romero/Estadão

O Executivo e o Legislativo parecem estar "em guerra" com o Judiciário no Brasil, com os poderes constantemente questionando e desafiando as decisões uns dos outros. É isso mesmo? Como o senhor vê esse enfrentamento? Isso faz parte da democracia? 

É fato que estamos imersos em uma grave e indesejável crise, que tem afetado a normalidade institucional e a vida democrática do país. Mas estas instituições foram desenhadas para se fiscalizarem mutuamente e nenhuma delas tem nas mãos poder suficiente para aniquilar a outra. Se estamos numa "guerra", trata-se da pior delas, aquela que parece interminável, em que sequer é possível prever quem sairá vencedor.

A Lava Jato, o Mensalão e outros escândalos recentes de corrupção alçaram membros de Judiciário, do Ministério Público e até da Polícia Federal ao "estrelato", por assim dizer. Sérgio Moro, Joaquim Barbosa, Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, por exemplo, se tornaram figuras públicas tão conhecidas quanto o presidente da República -- admiradas por uns, detestadas por outros -- e com grande influência nos rumos da política nacional. Isso é bom para a democracia, considerando que essas pessoas não são eleitas pelo voto popular? 

Estas pessoas são as principais responsáveis pela "judicialização da política" neste momento no país, mas elas estão agindo a partir das prerrogativas dos cargos que ocupam. Não estão usurpando poder do Legislativo nem do Executivo, mas estão imprimindo sobre estes uma pressão jamais vista na história brasileira. O fato de serem autoridades judiciais ou jurídicas, de não serem eleitas nem pertencerem a partidos, é algo visto por muitos como uma vantagem. Mas para outros pode residir aí uma nova forma de autoritarismo, uma espécie de "governo dos juízes", irresponsável e igualmente problemático para a democracia. É em torno dessas duas possibilidades que estamos tentando nos equilibrar ultimamente.

É justo dizer que o Judiciário hoje é tão politizado e faz tanta política quanto o Executivo e o Legislativo? 

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O Judiciário e as demais instituições a ele associadas, como o Ministério Público e a Polícia Federal, fazem política em duplo sentido, mas me apresso em dizer que em nenhum dos caso estou falando de política em sentido partidário. Fazer política é agir com relação a fins, e integrantes dessas instituições têm buscado dois fins ultimamente. O primeiro é o do combate à corrupção política (e aparentemente à própria classe política) a qualquer custo. E o segundo é o desenvolvimento institucional de si mesmos, uma espécie de auto-afirmação institucional. Frequentemente estes dois objetivos se mesclam, e um reforça a conquista do outro. O problema desse comportamento é que a justiça não se legitima pelos fins a que se propõe, mas pelos meios pelos quais toma decisões e cumpre seu papel na sociedade. Uma decisão é justa não porque produz um resultado justo, mas porque foi tomada de acordo com regras e procedimentos estabelecidos. Quando os fins tomam o lugar dos meios, a justiça se converte em política, e aqui deve residir nossa maior preocupação.

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Juízes são mais confiáveis e/ou menos corruptos que políticos? 

In natura, seguramente não. Já dizia Madison que os homens não são anjos e não são governados por anjos, daí a necessidade de criar um governo que controle os homens ,e em seguida, criar mecanismos que obriguem o governo a controlar a si mesmo. Os órgãos de justiça são importantes para o controle do governo, mas poderíamos acrescentar à frase de Madison que os homens não são anjos, não são governados por anjos e não são fiscalizados por anjos. Todos necessitam de controle e devem ser obrigados a justificar e prestar contas de suas ações.

Além do combate à corrupção, o Judiciário também vem assumindo um protagonismo cada vez maior no direcionamento de políticas públicas sobre temas polêmicos, como aborto, casamento homoafetivo, descriminalização das drogas e acesso a remédios e terapias experimentais. A sensação é de que a palavra final sobre esses assuntos hoje cabe ao Judiciário, e não ao Legislativo ou o Executivo. Como o senhor vê essa situação? 

De fato, o Brasil representa um exemplo notável de judicialização de políticas públicas. Isto decorre do tipo de constituição que temos (que constitucionaliza uma série de políticas e assim pavimenta o caminho para a interferência do Judiciário), da força de instituições como o Ministério Público e, mais recentemente, da Defensoria Pública, em levar essas causas aos tribunais e, é fato, de uma paradoxal delegação dos poderes legislativo e executivo ao Judiciário para resolver questões polêmicas como essas. Eu não diria que a última palavra tem sido sempre do Judiciário, mas sim que se trata de um processo aberto e sempre sujeito a revisões, de lado a lado.

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Atualizado às 16:30.

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