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Imagine só!

LEVEDURA TRANSGÊNICA ENTRA NO CARDÁPIO

Por Herton Escobar
Atualização:
 Foto: Estadão

Na era da biotecnologia funciona assim: Se um organismo não tem o gene que você precisa para que ele faça algo que você quer não tem problema ... basta pegar o gene do DNA de algum outro bicho, colocar dentro do seu bicho e pronto, problema resolvido.

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Foi o que fizeram pesquisadores americanos com a nossa amiga Saccharomyces cerevisiae, mais conhecida como levedura (ou fermento), responsável por produzir todo o álcool que você bebe na mesa do bar ou coloca no tanque do seu carro. Como já escrevi outras vezes por aqui, a levedura é um fungo unicelular microscópico que se alimenta de moléculas de açúcar e secreta moléculas de álcool e dióxido de carbono (processo químico que chamamos de fermentação). Numa padaria, isso é usado para crescer pão. Numa usina de cana, para produzir etanol.

Só tem um problema: assim como um boi gosta de comer certos tipos de capim melhor do que outros, a S. Cerevisiae gosta de comer certos tipos de açúcar melhor do que outros. Ela adora sacarose, por exemplo, o açúcar mais básico que está diluído no caldo da cana. Mas não se dá muito bem com açúcares mais complexos, como as celuloses que compõem as paredes celulares da cana.

O que é um desperdício para nós, pois o açúcar do caldo corresponde a apenas 1/3 da energia total presente na cana. Os outros 2/3 estão no bagaço (celulose do colmo) e na palha (celulose das folhas). Por isso muitos cientistas em vários laboratórios do mundo estão atrás de novos processos químicos e/ou biológicos que permitam fermentar também a celulose, e não apenas a sacarose, o que permitiria tirar 3 vezes mais combustível de um pé de cana do que se tira hoje.

A estratégia mais utilizada é tratar o bagaço com um coquetel de enzimas que quebram a celulose em moléculas menores de açúcar, comestíveis pelas leveduras. Funciona, sem dúvida, mas a eficiência é baixa e as enzimas são caras demais. Uma solução, portanto, seria achar na natureza enzimas mais eficientes e mais baratas de produzir ... e tem muita gente procurando isso. Outra opção seria modificar geneticamente o apetite e o metabolismo da levedura para que ela mesma se torne capaz de digerir a celulose e produzir etanol.

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Foi o que fizeram pesquisadores da Califórnia e da China, segundo um estudo publicado na última edição da revista Science. Eles pegaram genes de um outro fungo, chamado Neurospora crassa, que é bom de digerir celulose (mas não de fazer fermentação) e colocaram esses genes na Saccharomyces cerevisiae, que é boa de fermentação (mas não de digerir celulose). Resultado: uma levedura geneticamente modificada, capaz de fermentar celulose. Imagine só!

(Na foto acima: Cada bolinha dessas é uma levedura transgênica. A coloração verde indica que os genes do Neurospora crassa estão sendo expressos na célula -- isso porque os genes, ao serem inseridos no genoma, são marcados com um "gene repórter" de proteína verde fluorescente (GFP), o que faz com que essa proteína seja produzida quando os genes estão ativos.)

A Science não é patrocinada pelas Organizações Tabajara. Então isso não significa que "todos os seus problemas acabaram" e vamos começar a produzir etanol celulósico em grande escala amanhã. O processo ainda precisa ser melhorado, muitos experimentos ainda precisam ser feitos e várias questões de biossegurança ainda terão de ser avaliadas antes que uma levedura transgênica como essa pode ser usada em escala industrial. Mas é um bom exemplo de como a engenharia genética poderá fornecer soluções biotecnológicas no futuro.

Um dos trabalhos citados no artigo da Science é de um grupo de pesquisadores brasileiros ligados à USP e à empresa de biotecnologia Fermentec, de Piracicaba, que selecionou as duas linhagens de leveduras mais usadas na indústria sucroalcooleira do Brasil. E que agora está testando, em duas usinas, uma terceira linhagem, capaz de funcionar em tanques com teor alcoólico mais elevado, o que torna o processo mais eficiente. (acima de um determinado teor, as leveduras morrem intoxicadas pelo próprio álcool.... como uma pessoa que se afoga na própria urina, com o perdão da analogia).

Com perdão mais ou menos.... porque, no fundo no fundo, o que você bebe na cerveja e coloca no tanque do seu carro é exatamente mesmo: xixi de fungo alimentado com garapa. Imagine só!

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Abraços a todos.

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