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Imagine só!

MAIS UMA PORÇÃO DE ALGAS, POR FAVOR.

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Por Herton Escobar
Atualização:

Aproveitando que hoje eu almocei de novo num restaurante japonês, aqui vai um update do meu post anterior sobre as nossas amigas bactérias....

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Um estudo publicado esta semana na revista Nature mostrou que os japoneses produzem (na verdade eles "contêm") uma enzima digestiva especial, capaz de digerir as fibras daquela alga marinha usada para preparar sushi (o nori), que não está presente no organismo de outras populações (na dos Estados Unidos, por exemplo).

E sabem de onde vem essa enzima? Pois bem ... ela é produzida por bactérias que vivem no intestino dos japoneses. E sabem de onde essas bactérias tiraram essa enzima? Pois bem ... essa enzima específica (assim como todas as outras enzimas) é codificada por um gene específico, que as bactérias intestinais dos japoneses "herdaram" de bactérias marinhas que se alimentam dessas algas no oceano. Quando os japoneses começaram a comer as algas, lá nos primórdios, as bactérias marinhas vieram junto goela abaixo, intestino adentro, e acabaram "doando" o gene da tal enzima para as bactérias intestinais deles.

Digo "herdaram" e "doaram" entre aspas porque as bactérias trocam genes entre si de uma maneira particularmente promíscua, inclusive de uma espécie para outra. Bactérias não copulam. Não fazem sexo. Elas simplesmente se dividem e se multiplicam, formando cópias delas mesmas. Então imagine bilhões e bilhões de bactérias, de várias espécies, se dividindo e se esfregando umas nas outras dentro do seu intestino (ou em qualquer outro ambiente infestado de bactérias) .....

Vez ou outra, no meio dessa suruba microbiana, o DNA de uma espécie acaba se enfiando no genoma de outra -- um processo conhecido na biologia como "transferência lateral" de genes. Se esse gene for benéfico para a outra bactéria, ele se espalhará pela população e passará a fazer parte definitiva do genoma da espécie.

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Foi o que aconteceu com o gene responsável pela produção da enzima digestiva de nori. Ele passou da bactéria marinha Zobellia galactanivorans para a bactéria intestinal Bacteroides plebeius, permitindo, assim, que os japoneses também tirassem proveito nutricional da alga.

O que a tal enzima faz é quebrar os polissacarídeos que formam as paredes celulares da alga, transformando-os em moléculas menores que podem ser aproveitadas de fato pelo metabolismo humano. Caso contrário, esses polissacarídeos todos passariam direto pelo intestino sem serem consumidos .... que, aliás, é o que acontece com a maioria das fibras vegetais que comemos (e aconteceria com muitas mais ainda, se não tivéssemos nossas amigas bactérias para nos ajudar a digeri-las).

Legal.

Mas mais legal ainda é que os cientistas, então, compararam os genes da flora intestinal dos japoneses (que comem muita alga há muito tempo) com os da flora intestinal dos norte-americanos (que comem pouca alga há pouco tempo) e verificaram que os tais genes responsáveis pela tal enzima não estavam no intestino dos americanos. Why? Pois bem ... a hipótese mais provável é que, como a alga não é um componente importante da dieta americana (who needs algae when you have hamburguers!), não houve um pressão seletiva forte o suficiente até agora para que o gene se transferisse e se fixasse também na flora intestinal coletiva dos EUA.

A evolução é assim. Não perde tempo com bobagens.... O que não é essencial, some. Ou nesse caso, nem aparece.

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Imagine só!

Abraços a todos.

FOTOS: Acima, uma amostra de algas marinhas comestíveis, usadas na culinária japonesa (Crédito: Mirjam Czjzek). Abaixo, uma imagem de microscopia mostra bactérias da espécie Zobellia galactanivorans atacando e digerindo a parede da célula de uma alga marinha (Crédito: Delphine Scornet)

 Foto: Estadão
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