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Estudo mede benefícios clínicos do efeito placebo no tratamento da enxaqueca

Por Herton Escobar
Atualização:
FOTO: Marcos Mendes/Estadão  Foto: Estadão

Herton Escobar / O Estado de S. Paulo

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Quando o assunto é dor, a expectativa de melhora gerada na mente do paciente pelas palavras do médico na hora de prescrever um remédio pode ser tão importante para a eficácia da terapia quanto os efeitos farmacológicos do medicamento no organismo, segundo um estudo publicado por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Harvard.

A pesquisa avaliou a influência do efeito placebo no tratamento de pacientes com enxaqueca e concluiu que uma pílula inócua pode ser quase tão eficiente quanto um medicamento de verdade no alívio da dor de cabeça durante um ataque, até mesmo quando o paciente sabe que está tomando um placebo. A eficácia, tanto da medicação de verdade quanto da pílula inócua, segundo os autores, está diretamente relacionada à mensagem recebida pelos pacientes no momento da prescrição. Em ambos os casos, aqueles que receberam mensagens positivas se beneficiaram mais da terapia do que aqueles que receberam mensagens neutras ou negativas.

"Fica claro que cada palavra na clínica conta", disse ao Estado Ted Kaptchuk, um dos pesquisadores que liderou o estudo no Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston. Publicado hoje na revista Science Translational Medicine, o estudo apresenta "a medição mais precisa do efeito placebo feita até hoje", segundo ele.

Vários estudos já demonstraram que o efeito placebo pode trazer benefícios clínicos reais - em outras palavras, que a melhora relatada pelos pacientes que tomam placebo não é apenas "imaginação". Mas nenhum até agora, segundo Kaptchuk, havia sido capaz de medir exatamente o tamanho desse efeito, separando-o dos efeitos farmacológicos diretos da medicação real.

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Com base nos resultados, os pesquisadores calculam que 50% da melhora observada em qualquer um dos pacientes, em qualquer uma das condições avaliadas no estudo, foi devida ao efeito placebo - que ou agiu "por conta própria", associado à ingestão da pílula inócua, ou em "parceria" com os efeitos farmacológicos da droga, quando os pacientes tomavam o remédio de verdade.

Metodologia. O experimento foi realizado com 66 pacientes recrutados no hospital, que registraram os efeitos de medicação versus placebo no tratamento de seis ataques de enxaqueca cada um. No início de cada ataque, o paciente deveria abrir um envelope contendo uma pílula, que poderia estar identificada de três maneiras: placebo (mensagem negativa); placebo ou remédio (mensagem neutra); ou remédio (mensagem positiva). Trinta minutos depois, ele deveria tomar a pílula e registrar o "tamanho" da sua dor, dando a ela uma nota de 0 a 10. Duas horas depois de tomar a pílula, ele deveria registrar o nível de redução (ou não) da dor, dando a ela uma nova nota de 0 a 10.

Embutido nesse protocolo de pesquisa, havia também uma "pegadinha": metade das pílulas identificadas como placebo eram na verdade remédio, e metade das pílulas identificadas como remédio eram, na verdade, placebo. Isso permitiu aos pesquisadores isolar os efeitos de um versus o outro. Ou seja, quando o paciente tomava o remédio achando que era uma pílula inócua, o que se observava era exclusivamente o efeito farmacológico da droga, sem a "adição" do efeito placebo que costuma ser induzido naturalmente por qualquer tipo de atendimento médico (a pessoa se sente melhor "automaticamente" pelo simples fato de receber atenção e/ou estar sendo medicada). E vice-versa.

Para surpresa dos pesquisadores, a percepção de redução da dor relatada pelos pacientes foi praticamente a mesma nos dois casos: tanto das pílulas inócuas identificadas como remédio quanto do remédio identificado como placebo. O que mostra, segundo Kaptchuk, o tamanho do efeito clínico real de cada um.

Outro resultado surpreendente é que muitos pacientes melhoraram tomando placebo, mesmo quando sabiam que estavam tomando uma substância inócua (e ela era inócua mesmo, apesar de simular a coloração e o gosto do medicamento real). Nesses casos, a melhora foi bem inferior à relatada nos outros cenários (de mensagens neutras ou positivas), mas, ainda assim, estatisticamente e clinicamente válida: redução média de 14,5% na dor após duas horas, comparado a um aumento médio de 15,4% quando o paciente não recebia tratamento nenhum (nenhuma pílula).

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Kaptchuk já havia registrado esse mesmo fenômeno em 2010, num estudo com pacientes com síndrome do intestino irritável, publicado na revista PLoS One. (veja post anterior no blog: Placebo, sem enganação)

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Aplicabilidade. Segundo Kaptchuk, isso corrobora a tese de que o simples fato de tomar pílulas e receber atenção médica é suficiente para induzir um efeito placebo clinicamente válido. Ele defende que isso seja debatido na comunidade médica como uma forma de terapia - tomando cuidado, porém, para que "entusiasmo não seja confundido com enganação".

O medicamento contra enxaqueca usado no estudo foi o Maxalt, produzido pela farmacêutica Merck, que foi uma das financiadoras da pesquisa, junto com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA. Felizmente para a empresa, o efeito da droga foi superior ao do placebo na avaliação geral: redução média de 47,6%versus 20,7% na dor após duas horas, respectivamente.

"Tome duas jujubinhas e me liga de manhã", diz o médico, em um cartoon americano sobre o efeito placebo.  Foto: Estadão
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