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Presidente do CNPq não vê exagero em apoio à pesquisa da 'pílula do câncer'

Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Hernan Chaimovich, diz em entrevista exclusiva ao Estado que decisão do ministério busca dar uma resposta científica a um “clamor social” relacionado à fosfoetanolamina sintética: "Não reconhecer que existe esse clamor social é não reconhecer a realidade".

Por Herton Escobar
Atualização:

 Foto: CNPq

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anunciou ontem a liberação dos primeiros R$ 2 milhões para pesquisas com fosfoetanolamina sintética, a substância que ficou conhecida como "pílula do câncer", desenvolvida por um pesquisador do Instituto de Química da USP em São Carlos. Trata-se do primeiro lote, de um total de R$ 10 milhões, que o ministério planeja investir no estudo da "fosfo" até 2017, se os ensaios iniciais mostrarem que ela realmente tem potencial para tratar o câncer.

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O anúncio surpreendeu muitos cientistas brasileiros, que questionam a decisão do ministério de criar uma linha de financiamento especial para o estudo de uma substância que só se tornou famosa porque foi distribuída para pacientes de forma irregular pelos seus inventores, durante anos, sem aprovação da Anvisa e sem testes que comprovassem sua eficácia ou segurança para uso humano. Ainda mais no momento em que a ciência brasileira passa por uma forte crise orçamentária, em que projetos de pesquisa muito mais consolidados enfrentam dificuldade para obter recursos.

O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Hernan Chaimovich, porém, disse em entrevista exclusiva ao Estado que "não vê exagero" na decisão do ministério, que tem como objetivo dar uma resposta científica a um "clamor social". Veja abaixo os destaques da entrevista:

Como justificar a decisão de dar R$ 10 milhões até 2017 para a pesquisa da fosfoetanolamina no momento em que a ciência brasileira passa por uma crise de financiamento generalizada, com cancelamentos e atrasos no pagamento de editais?

Estamos falando de muito pouco dinheiro; não estamos falando de uma quantia exagerada. Não é verdade que o CNPq não vem pagando; nós terminamos de pagar todo 2013, pagamos pelo menos metade de 2014, conseguimos suportar uma parte importante dos INCTs que estavam a zero, e isso não é pouco dinheiro. É claro que estamos num momento de aperto. Agora, tem um clamor social que é evidente, tem um problema social que é claro, e temos dados mais do que suficientes, discutidos no Congresso Nacional, que mostram que a sociedade está sensibilizada com um promessa que a gente não sabe se é verdade ou não. Não reconhecer que existe esse clamor social é não reconhecer a realidade.

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E qual é a resposta do ministério que trata de ciência, tecnologia e inovação? É fazer ciência; e portanto o ministério toma isso como uma responsabilidade do Executivo perante um clamor social. Não é uma decisão que vem de cima para baixo, é uma resposta de um ministério que tem essa responsabilidade. Insisto que não foi uma decisão do CNPq, foi uma decisão colegiada do MCTI, entre os pesquisadores e o ministério. Mas eu não vejo, de jeito nenhum, como presidente do CNPq, um exagero ou um açodamento da decisão tomada, da forma como foi tomada e como uma resposta a um clamor social que é evidente.

As decisões sobre a fosfoetanolamina estão sendo politizadas, por conta da enorme expectativa que se criou em torno dela na sociedade?

Se politizar quer dizer dar uma resposta científica a um clamor social, tudo bem, pode ser. Mas não acredito que essa seja a definição de politizar. Todos os resultados serão publicados numa webpage dedicada a isso, toda a sequência de experimentos será publicada, e o assunto será tratado de forma totalmente transparente: quanto dinheiro é investido, onde, para quê e quais os resultados.

O senhor chegou a dar uma olhada nos resultados preliminares já publicados na literatura científica sobre a fosfoetanolamina? O que achou deles?

São resultados científicos muito interessantes, e eu não tenho nenhuma certeza de que todos esses ensaios foram conduzidos de acordo com as regras da Anvisa para ensaios clínicos. Pelo menos isso não está explicitado nos trabalhos.

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São resultados que justificam as expectativas que existem sobre o potencial terapêutico dessa substância?

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Existem pelo menos 10 mil a 20 mil substâncias com potencial. Transformar o potencial numa droga é um caminho. Sem dúvida os resultados são sérios, foram publicados em revistas de altíssimo padrão, e merecem ser lidos.

Mas o que gerou o clamor social não foram os trabalhos científicos; foi o fato de a droga ter sido distribuída para pacientes livremente, em desacordo com a legislação e sem os estudos prévios necessários. Ao investir na continuidade dessas pesquisas, não se corre o risco de incentivar comportamento semelhante por parte de outros pesquisadores, que não queiram se dar ao trabalho de fazer todos os ensaios pré-clínicos necessários?

Não vou qualificar o que foi feito, mas poderia. Sem dúvida, foi feito ao arrepio das normas. Agora, você não pode dizer que o ministério está fazendo outra coisa se não dizer: Se nós queremos um país sério, onde os procedimentos internacionalmente aceitos são respeitados, esses são os passos que têm de ser seguidos. Eu vejo essa mensagem, e não o contrário.

E se os resultados obtidos com esses primeiros R$ 2 milhões não forem positivos?

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Todo mundo vai ficar sabendo. Não tenho nenhum medo de resultado negativo, pois se todos os resultados fossem positivos não precisaria fazer ciência, teremos apenas certezas e crenças. Então, estamos correndo um risco? Sim, estamos, mas fazer ciência é exatamente isso. Não posso predizer o resultado do experimento -- pois se pudesse predizer com 100% de certeza o resultado de um experimento, não vale a pena investir nele.

Sem dúvida, mas minha pergunta é: Se os resultados iniciais não corroborarem as expectativas com relação ao potencial terapêutico, o apoio financeiro ao estudo será descontinuado?

Não acredito que nos primeiros R$ 2 milhões a gente consiga esses dados tão firmes, mas pode ser. Qualquer previsão que eu faça nesse momento será irresponsável. Portanto, eu não faço previsão nenhuma.

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