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Projeto de pesquisa com lobo-guará acaba de forma trágica na Serra da Canastra

Fêmea resgatada filhote de um canavial paulista foi atropelada por uma moto 40 dias depois de ser solta na região

Por Herton Escobar
Atualização:

A Lobinha na área cercada onde foi treinada para sobreviver na natureza. Foto: Rogerio Cunha de Paula (@rogeriocunha)

Um dos projetos mais bonitos de conservação da biodiversidade brasileira terminou de forma trágica na semana passada. Uma loba-guará que havia sido solta por pesquisadores há pouco mais de um mês na Serra da Canastra, após ter sido resgatada ainda filhote de um canavial paulista em 2016, morreu atropelada numa estrada rural de Minas Gerais.

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Carinhosamente apelidada de Lobinha, ela era monitorada por um colar de GPS, que alertou os pesquisadores quando ela parou de se mexer. Seu corpo foi achado no meio de um cafezal, a menos de 100 metros da estrada de terra onde foi atingida, com várias costelas quebradas.

"A nossa equipe está mais do que triste. Está devastada com essa tragédia. Hoje digo que está muito difícil acreditar que um dia os lobos conseguirão sobreviver a todas as ameaças que estão sujeitos", escreveu o pesquisador Rogerio Cunha de Paula, do Cenap-ICMBio, em um desabafo no Facebook, pouco depois de resgatar o corpo do animal.

"Esse é o lugar mais seguro que eu conheço para soltar um lobo; e um mês depois, ele está morto", disse Rogerio ao blog, por telefone.

O objetivo do projeto era desenvolver uma metodologia de reintrodução de lobos-guarás na natureza -- para dar esperança a tantos outros lobos órfãos que, assim como a Lobinha, são resgatados de alguma plantação ou estrada e, por falta de alternativa, acabam vivendo o resto da vida em cativeiro. A espécie, um dos ícones da biodiversidade do Cerrado, corre risco de extinção, e os atropelamentos são hoje uma das maiores ameaças à sua sobrevivência.

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Veja abaixo o vídeo do Projeto Escola de Lobos, conduzido pelo Cenap-ICMBio em parceria com o Instituto Pró-Carnívoros e a Unifran:

História de vida

Lobinha foi encontrada vagando em um canavial queimado de Araraquara, no interior paulista, em meados de 2016. Ela tinha apenas quatro meses de vida e, na ausência da mãe para ensiná-la a caçar e se abrigar, ela dificilmente sobreviveria por conta própria. O que os pesquisadores fizeram, então, numa iniciativa pioneira, foi criá-la numa grande área de cerrado natural, na borda do Parque Nacional da Serra da Canastra (município de São Roque de Minas, MG), onde ela foi gradativamente "treinada" a sobreviver. Aprendeu a procurar comida, caçar pequenos animais e identificar os frutos dos quais podia se alimentar na região.

Em 2 de dezembro de 2017, as portas do recinto foram abertas e ela foi embora. O colar de GPS serviria para mostrar aos pesquisadores o padrão de comportamento territorial dela, e permitir que eles a observassem à distância no campo, sempre que necessário, para aprender mais sobre sua biologia e seus hábitos de vida.

Funcionou tudo muito bem, por míseros 40 dias.

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Mapa com a localização do recinto onde a Lobinha foi treinada, e o ponto onde ela morreu. As bolinhas amarelas são os pontos por onde ela passou, indicados pelo colar de GPS. Crédito: Rogerio Cunha de Paula (@rogeriocunha)  Foto: Estadão

A morte precoce foi um choque de realidade brutal para os pesquisadores. "Sempre que se fala em atropelamento, pensamos numa rodovia, e não numa estradinha rural de terra. Quantos outros bichos não estarão morrendo desse mesmo jeito por aí, sem a gente ficar sabendo?", indaga Rogerio.

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As lesões sugerem que Lobinha foi atingida por uma moto. O impacto fraturou cinco costelas e lesionou gravemente seus pulmões. Ela ainda se arrastou alguns metros para dentro do cafezal, mas morreu asfixiada pouco tempo depois. Não fosse pelo colar de GPS, teria sido uma morte incógnita -- como talvez sejam as de muitos outros lobos-guarás por aí.

"Era para ela ser a embaixadora dos lobos na região", lamenta Rogerio. O grupo trabalha há anos com os moradores da Canastra para reduzir conflitos e transformar a relação com os lobos-guarás numa "convivência harmoniosa, em vez de uma disputa por território". Nisso, obtiveram sucesso. Aproveitando o colar de GPS, o plano era transformar a Lobinha numa espécie de atração turística da região, permitindo que visitantes acompanhassem sua história de vida à distância.

Mas a realidade bateu de frente com ela. Em vez de heroína, virou mártir.

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A Lobinha, com seu colar de GPS. Foto: Rogerio Cunha de Paula (@rogeriocunha)
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