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Imagine só!

RECEITA DO PASSADO PARA BIOCOMBUSTÍVEIS DO FUTURO

Por Herton Escobar
Atualização:

FOTO: O fungo Trametes versicolor, conhecido como "cogumelo rabo de peru", é um dos tipos de "podridão branca" capaz de decompor lignina. (A. Justo e F. Floudas/Divulgação)

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Cerca de 360 milhões de anos atrás, teve início um período conhecido na história da Terra conhecido como Carbonífero, que durou cerca de 60 milhões de anos. O nome refere-se à grande quantidade de carvão que é encontrado nas camadas sedimentares desse período, deixado pela decomposição da matéria orgânica vegetal das florestas pré-históricas daquela época. Lembrando que plantas são feitas essencialmente de carbono -- assim como nós -- e que carvão é, basicamente, carbono puro, que sobra quando todo o resto já foi incinerado ou decomposto. Mais especificamente, o carvão é feito de uma molécula de carbono chamada lignina, que é um componente básico estrutural dos tecidos vegetais, e que poucos microrganismos têm a capacidade de decompor. É o material mais duro das plantas que funciona como um alicerce, e por isso tem de ser resistente mesmo.

A pergunta é: Por que esse acúmulo de carvão entre 360 milhões e 300 milhões de anos atrás, especificamente? A teoria principal é que havia muitos ecossistemas costeiros pantanosos nesse período, e que as condições anóxicas (sem oxigênio) no fundo desses pântanos dificultou a decomposição e favoreceu a fossilização da matéria orgânica vegetal, na forma de carvão. Mas pode não ter sido só isso ... Um estudo publicado na última edição da revista Science coloca um ingrediente a mais nessa história. Um ingrediente evolutivo do passado que, curiosamente, poderá nos ajudar a produzir mais biocombustíveis no futuro.

Os pesquisadores compararam os genomas de 31 espécies de fungos (12 dos quais foram sequenciados pela primeira vez para esse estudo) capazes de decompor matéria vegetal. Entre eles, vários do tipo conhecido como "podridão branca" (white rot, em inglês), que são os únicos capazes de decompor lignina, especificamente. Outros tipos, como os da "podridão marrom", conseguem decompor celulose, mas não lignina. ... E, com base numa comparação evolutiva dos genomas desses 31 fungos, conseguiram calcular quanto tempo atrás surgiu, geneticamente, a capacidade de decompor lignina (que, assim como quase todas as funções de um organismo, depende de genes específicos para ser executada). Adivinhem quando? Cerca de 300 milhões de anos atrás -- justamente no fim do Carbonífero. Coincidência? Eles acreditam que não.

Segundo os autores do trabalho (são 71 pesquisadores, de 12 países), a evolução desses fungos da "podridão branca" pode ter contribuído - talvez até como uma causa fundamental - para dar um fim no Carbonífero, pois a partir daí as plantas mortas passaram a ser decompostas por inteiro, sem deixar nada para virar carvão.

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Agora, a relação com a produção de biocombustíveis é a seguinte: o nosso bioetanol (álcool combustível) é produzido pela fermentação dos açúcares presente no caldo da cana (igualzinho ao que você toma na feira, com pastel). O bagaço que sobra da cana no processo também é extremamente rico em açúcares, que poderiam ser fermentados e transformados em combustível da mesma forma. O problema é que, para chegar a esses açúcares, é preciso antes quebrar (decompor) as moléculas de lignina que estão dentro desse bagaço (e não livres em solução, como no caso do caldo), e ninguém achou uma maneira economicamente viável de fazer isso ainda. Ou seja, o combustível está lá, dentro do bagaço, mas não temos como acessá-lo economicamente. Tem gente de monte no Brasil e no resto do mundo há décadas procurando genes e enzimas capazes de fazer essa decomposição, principalmente nos genomas de microrganismos ... e os fungos da podridão branca aparecem agora como candidatos promissores para auxiliar na produção desse "bioetanol de segunda geração", produzido do bagaço de cana (e, potencialmente, de outras fontes de biomassa vegetal).

Uma receita genética de milhões de anos que pode ter ajudado a acabar com a formação de combustíveis fósseis no passado e que agora, quem sabe, poderá no ajudar a reduzir o uso de combustíveis fósseis no futuro também. Imagine só!

Abraços a todos.

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