Uma onça-pintada e dois filhotes caíram em uma armadilha no Parque Estadual Carlos Botelho, em São Paulo, não muito longe de onde uma outra onça foi morta recentemente por caçadores. Mas fique tranquilo -- neste caso, é uma boa notícia. A armadilha era fotográfica, e as imagens, raríssimas, são motivo de esperança para a sobrevivência das onças-pintadas na Mata Atlântica.
A responsável por fazer o registro é a bióloga Beatriz Beisiegel, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que há 12 anos monitora onças e outros grandes mamíferos nas matas do Vale do Ribeira, região sul do Estado de São Paulo. Usando câmeras escondidas na selva, que registram automaticamente a passagem dos animais, ela já documentou a presença de vários felinos na região, mas nunca havia visto um filhote de onça-pintada -- muito menos dois ao mesmo tempo, e de forma tão nítida. "Foi a coisa mais linda da mundo", conta ela, lembrando da emoção de ver as imagens pela primeira vez no computador.
Os filhotes têm cerca de seis meses, e o nome que Beatriz escolheu para a onça mãe não poderia ser mais simbólico: Esperança.
Apesar de ainda serem comuns na Amazônia e no Pantanal, as onças-pintadas estão criticamente ameaçadas de extinção na Mata Atlântica. Cientistas estimam que há menos de 300 delas em todo o bioma, por conta da fragmentação histórica de suas florestas e da ameaça sempre presente da caça.
Susto. Beatriz conta que entrou em pânico quando viu a notícia de que uma onça-pintada havia sido morta por caçadores em Juquiá, município vizinho do parque. No vídeo feito pelos caçadores e compartilhado via WhatsApp -- em que eles chamam o animal de "capeta" e se vangloriam de tê-lo abatido --, eles dizem que a onça "largou das cachorras na toca" e avançou contra eles. Para Beatriz, aquilo foi um sinal de alarme, pois muitas vezes a população local usa o termo "cachorros" para se referir a filhotes de mamíferos de uma forma geral. Logo, ela pensou que a onça morta e seus "cachorros" fossem Esperança e seus dois filhotes.
Ao examinar os padrões de pintas na imagem da onça assassinada, porém, ela percebeu que se tratava de outro animal. O que não diminui o tamanho da tragédia: O local onde a onça foi morta fica a menos de 50 quilômetros de onde Esperança e sua família passaram pela armadilha fotográfica, na borda leste do parque -- uma distância minúscula para uma onça --; e com uma população tão reduzida, qualquer animal a menos pode representar uma sentença de morte para a espécie na Mata Atlântica.
É uma população que está perto do limite
"É uma população que está muito perto do limite", diz a cientista. "A cada notícia de uma onça morta eu sinto que podemos ter chegado a um ponto sem volta", completa ela, referindo-se a um limite mínimo do qual a população pode não conseguir se recuperar, mesmo com esforços de conservação.
O local onde Esperança foi filmada é também muito próximo de onde Beatriz capturou -- literalmente, neste caso -- a onça Soneca, que foi a primeira e única da espécie até agora a ser monitorada com um colar de GPS na Mata Atlântica. Ela foi rastreada durante quatro meses, perambulando por todo o Vale, até desaparecer no interior de outro parque da região, o Parque Estadual Nascentes do Paranapanema (Penap). A principal suspeita é que tenha sido morta, também, por caçadores ou palmiteiros. Nem a onça nem o colar jamais foram vistos novamente.
O Estado acompanhou Beatriz ao interior do Penap e do Parque Estadual Carlos Botelho em 2015, para uma reportagem especial sobre a Fauna Invisível da Mata Atlântica. Até hoje, a pesquisadora segue em busca de pistas sobre o que aconteceu, percorrendo os mesmos caminhos por onde Soneca passou antes de sumir do mapa (vídeo abaixo).
É possível que Esperança siga um caminho parecido com o de Soneca pelo interior do Vale do Ribeira, mas espera-se que ela não tenha o mesmo destino. Beatriz estima que ela tenha por volta de 3 anos, que é a idade em que as onças-pintadas costumam ter sua primeira prole. "Eu nunca havia registrado esta fêmea, então imagino que ela não é muito velha", avalia a pesquisadora.
Desde 2006, suas armadilhas fotográficas já registraram 24 onças-pintadas circulando pelo Vale do Ribeira. Juntando isso com dados de outros pesquisadores, a estimativa é que a população residente de onças da região seja de 20 a 40 indivíduos. O trabalho foi desenvolvido ao longo dos anos com recursos do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) do ICMBio, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do próprio bolso de Beatriz, que comprou várias das câmeras com seu próprio dinheiro para manter o projeto vivo -- incluindo a câmera que fez as imagens da Esperança.
Os vídeos foram feitos em dezembro, mas mantidos em sigilo até agora. Beatriz espera que a divulgação das imagens inspire as pessoas a proteger as onças-pintadas e as unidades de conservação do Vale do Ribeira -- um dos últimos lugares onde esses grandes felinos ainda conseguem sobreviver na Mata Atlântica brasileira: "É a última gota de esperança para uma população que está desaparecendo".