Pesquisador amador vira novo aliado da Ciência

Curiosos ajudam na busca de dados de clima, astronomia e natureza

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Por Fabio de Castro
Atualização:

SÃO PAULO - Começam a ganhar espaço no Brasil projetos de estudos que envolvem o conceito de "ciência do cidadão", isto é, que contam com a participação de pessoas comuns e pesquisadores amadores para produzir conhecimento científico de verdade.

Astrônomo amadorcontribui com cientista do IAG-USP Foto: Daniel Teixeira

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Em áreas de pesquisa como biodiversidade e mudanças climáticas, algumas instituições já começam a perceber que podem se beneficiar da participação popular - seja para mapear espécies de animais em regiões extensas, ou para coletar dados meteorológicos em tempo real em múltiplos locais, por exemplo. Mas é no campo da astronomia que atuam por enquanto a maior parte dos cidadãos cientistas.

Um caso exemplar de cidadão cientista é do astrônomo amador Tasso Napoleão, de 66 anos. "Sou engenheiro de formação, trabalhei a vida toda nessa área e já me aposentei, mas me interesso pelos cosmos desde os 6 anos de idade e adquiri meu primeiro telescópio aos 10", contou Tasso ao Estado.

Ao longo dos anos, ele frequentou cursos de extensão do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, estreitou o contato com astrônomos profissionais e criou clubes de ciência amadora. Hoje, ele coordena um grupo de observadores que colabora diretamente com o IAG, onde também coordena um curso voltado para astrônomos amadores.

"Nosso grupo trabalha há seis anos com a busca de supernovas. Há 17 desses objetos astronômicos descobertos por brasileiros e o nosso grupo foi responsável por 15 delas", disse.

Segundo ele, há uma grande sinergia entre amadores e profissionais. "Os cientistas têm telescópios muito mais potentes à disposição, mas o tempo de uso é muito restrito e caro. Os amadores têm redes espalhadas em todo o globo e todo o tempo que quiserem - podemos varrer 700 galáxias por noite. Por isso há complementaridade"

Há grupos que se dedicam a outras especificidades da astronomia, como o Sonear, coordenado pelos astrônomos amadores Cristóvao Jacques, João Ribeiro e Eduardo Pimentel, que mapeia asteroides próximos à Terra.

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"Investimos nisso porque o Hemisfério Sul é muito pouco vigiado e há muitas lacunas no conhecimento. Já descobrimos 25 asteroides e cinco cometas", disse Jacques. Os dados são sempre enviados à União Astronômica Internacional, que confirma as descobertas. Os artigos científicos que são publicados dão crédito aos astrônomos amadores, que podem batizar o novo asteroide ou cometa.

“Temos acesso às regiões que são vasculhadas pelos telescópios profissionais e procuramos observar justamente as lacunas deixadas por eles”, afirmou Jacques, que mora em Belo Horizonte e de lá controla remotamente seu observatório, montado na cidade de Oliveira, no interior mineiro - onde a menor luminosidade urbana e a poluição permitem observações melhores. .

Agricultura e desastres. A ciência do cidadão não se restringe, porém, à astronomia. A colaboração das pessoas comuns também poderá ajudar a evitar que eventos extremos, causados pelas mudanças climáticas, causem prejuízos a agricultores do semiárido. Esse é o objetivo do projeto Agrisupport, criado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do governo Federal.

Os usuários podem enviar dados pelo celular com o aplicativo Agrisupport, criado peloCentro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden); acolaboração das pessoas comuns poderá ajudar a evitar que eventos extremos, causados pelas mudanças climáticas, causem prejuízos a agricultores do semiárido. Foto: Cemaden

De acordo com Ana Paula Cunha, uma das pesquisadoras do Cemaden que coordenam o programa, os agricultores inserem, em um aplicativo no celular, dados relacionados às suas técnicas de manejo, datas de plantio, monitoramento da produção ou previsão de colapso da safra.

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"O aplicativo não é nada mais que um coletor de dados, que serão, depois de integrados e cruzados com as informações climatológicas de que dispomos, utilizados para nos ajudar a modelar prognósticos de produtividade agrícola relacionados às condições hidrologicas, incluindo as previsões de inundações e secas", explicou Ana Paula.

Na primeira fase, a plataforma foi calibrada em dois projetos-piloto, no norte de Minas Gerais e no nordeste do Pará. "A ideia era testar se o aplicativo é simples o suficiente para o agricultor. Constatamos que funciona perfeitamente e agora vamos à segunda fase do projeto, que é de coleta sistematizada das informações. No póximo calendário agrícola, teremos pelo menos 500 pontos com dados coletados - praticamente toda a zona rural do semirárido no Brasil", afirmou.

Animais e carbono. Um dos principais projetos de ciência do cidadão planejados no Brasil é uma parceria entre instituições brasileiras e americanas para coletar dados sobre animais, plantas e solos no estado de Roraima. Liderado no Brasil por Pedro Galetti Jr, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e nos Estados Unidos pelo biólogo português José Fragoso, da Universidade de Stanford, o projeto tem o objetivo de engajar moradores locais para obter uma imensa séries de dados e avaliar a influência da fauna e da flora nos estoques de carbono da região - uma questão crucial também para as ciências do clima.

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Na Guiana, futuros técnicos da etnia makushi aprendem a utilizar os mapas da Bacia Amazônica em projeto dedicado a engajar moradores locais para obter dados e avaliar a influência da fauna e da flora nos estoques de carbono da região; líder do projeto, o biólogo português José Fragoso, da Universidade de Stanford, irá liderar uma iniciativa semelhante no Brasil, ao lado de Pedro Galetti Jr, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foto: José Fragoso

"É fundamental contar com as pessoas que moram em áras rurais e já estão envolvidos no dia a dia com o meio ambiente. Os voluntários serão treinados por uma semana em campo e ficarão responsáveis por coletar informações sem o acompanhamento dos cientistas", explicou Fragoso, que coordenou um projeto semelhante na Guiana, em uma região do tamanho da Costa Rica. "Em uma área tão grande, um projeto desses seria inviável sem participação dos cidadão", disse.

Em Roraima, a população local registrará os animais que são caçados, coletará espécies da fauna e amostras de solo, e fará medidas de tamanho das árvores para calcular sua biomassa e determinar a quantidade de carbono. O projeto, que ainda precisa ser aprovado pela Fapesp, contará com cerca de 15 pesquisadores e um grupo de 50 cidadãos cientistas.

"Os dados serão anotados em um smartphone com um aplicativo que identifica e contabiliza plantas e fauna. Vamos saber quantos animais estão na floresta em diferentes períodos e se há sustentabilidade para caça na região, por exemplo. Esperamos também encontrar muitas espécies novas", explicou Fragoso.