Água de degelo forma lagos sob manto glacial da Groenlândia

Pesquisa publicada na Nature revela que gelo derretido na superfície está formando lagos de até dois quilômetros

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Por Fabio de Castro
Atualização:

SÃO PAULO - Um grupo de cientistas dos Estados Unidos revelou pela primeira vez, sob os mantos de gelo da Groenlândia, a existência de lagos de água de degelo proveniente do derretimento da superfície. Formando crateras de dois quilômetros de diâmetro, os lagos sob a camada de gelo se esvaziam periodicamente - liberando bilhões de litros de água no oceano - para depois se encherem novamente. De acordo com os cientistas, a água desses lagos aquece o manto de gelo por baixo - o que acelerar ainda mais seu derretimento, alterando a maneira como ele responde às mudanças climáticas.

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O estudo, publicado hoje na revista Nature, foi liderado por cientistas da Universidade Cornell (Estados Unidos). Segundo o autor principal do artigo, Michael Willis, a descoberta fornece informações importantes sobre o aquecimento da atmosfera e seu efeito na zona crítica da base do manto de gelo.

"Testemunhamos a água de degelo abrindo caminho até a base do gelo, onde fica armazenada no encontro entre a base rochosa do manto de gelo e o gelo propriamente dito. Quando esse lago subglacial é preenchido com a água de degelo da superfície, o calor liberado pela água aprisionada amolece o gelo ao seu redor. Isso pode eventualmente aumentar o fluxo de derretimento", disse Willis.

Lagos subglaciais são raros na Groenlândia, especialmente no extremo noroeste da ilha, já que o gelo nessa região é muito fino e muito frio para permitir o derretimento sob a calota glacial Foto: Thomas Nylen/NSF

Aumento. A ligação direta entre a água de degelo da superfície e o preenchimento de lagos na base do gelo nunca havia sido vista antes. Nos últimos anos, o número de lagos na superfície do manto de gelo da Groenlândia aumentou dramaticamente. Os lagos de superfície também estão ocorrendo em áreas muito mais internas da ilha e em altitudes maiores que no passado. Se o mecaniosmo de transferência de água e calor dos lagos da superfície para a base gelada for um fenômeno comum, segundo os cientistas, é provável que o manto de gelo da Groenlândia responda às mudanças climáticas mais rapidamente que se previa.

O manto de gelo da Groenlândia compreende cerca de 80% da superfície da ilha. Estudos anteriores apontaram que o manto de gelo está derretendo em velocidade mais alta por conta da mudança climática. O movimento da água derretida sob o manto de gelo, de seu interior para o oceano, tem sido o tema de muitos estudos, já que pode controlar a velocidade do derretimento.

O novo estudo foi iniciado em 2012, quando Willis e sua equipe faziam um mapeamento das mudanças glaciais nas bordas do manto de gelo no noroeste da Groenlândia, na tentativa de compreender o quanto a aceleração da perda glacial na ilha seria causada pelo derretimento e o quanto seria produzida por blocos de gelo que se desprendem e se lançam à deriva no oceano.

Durante a pesquisa, Willis avistou um buraco de cerca de 70 metros de profundidade - o equivalente a um prédio de 10 andares - que havia sido formado quando um lago subglacial, bem longe da superfície do gelo, se esvaziou em meados de 2011. De acordo com o pesquisador, os lagos subglaciais são raros na Groenlândia e a presença de um deles no extremo noroeste da ilha foi uma surpresa, já que o gelo nessa região é muito fino e muito frio para permitir o derretimento sob a calota glacial.

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Entre 2012 e 2014, Willis observou como a água de degelo do verão, na superfície do gelo, abria caminho por fendas no entorno do buraco e reabastecia o lago vazio na base da calota de gelo. Quando a água parou de fluir na superfície, o lago subglacial parou de ser preenchido. "A cada verão, os cientistas veem riachos azuis claros se formando na superfície da Groenlândia, enquanto o ar quente derrete o manto de gelo. O que acontecia a essa água quando ela desaparecia nas fendas do gelo ainda era um mistério", afirmou Willis.

Os cientistas conseguiram identificar quando o lago subglacial foi reabastecido utilizando dados coletados de imagens de alta resolução de um satélite da Universidade de Minnesota e dados da operação IceBridge, da Nasa. A equipe calculou que o lago sob o gelo foi inundado até a metade, quando começou a se esvaziar em 2011, em um volume de 215 metros cúbicos por segundo. Quando o lago se reabastece, a água de degelo da superfície carrega calor armazenado - ou calor latente - da atmosfera relativamente quente para as profundezas geladas. O calor latente reduz a dureza do gelo ao redor do lago e faz com que mais gelo flua para o mar.

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