Bento XVI já dava sinais da renúncia

Apesar de surpreender outros religiosos, decisão é vista como ‘direito’ pelo Vaticano

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Por Redação
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CIDADE DO VATICANO - O anúncio do papa Bento XVI de que irá renunciar obriga o Vaticano a buscar um novo pontífice pela segunda vez em menos de uma década e abre um debate sobre o futuro da Igreja. Alegando não ter energia e condições físicas e mentais para comandar a Igreja diante dos desafios do século 21, Bento XVI é o primeiro em 600 anos a renunciar.

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A decisão foi anunciada nesta segunda-feira, 11, em latim pelo próprio papa, em uma reunião do conselho de cardeais. O pontificado que começou em 2005 com a morte de João Paulo II termina às 20 horas (horário de Roma) de 28 de fevereiro. O conclave será convocado e deve determinar um novo papa antes da Páscoa.

Seu irmão, Georg Ratzinger, admitiu que o pontífice há meses vinha trabalhando para anunciar a renúncia e que nada ocorreu por acaso. Em entrevista aos jornais alemães, disse ser um "processo natural". "Meu irmão queria repouso nos seus últimos anos", disse. Segundo ele, seu médico já o havia aconselhado a não mais viajar para fora da Europa. "A idade oprime", constatou.

Com 85 anos, Bento XVI não teria nenhuma doença mais grave, e o Vaticano fez questão de excluir ontem a possibilidade de uma depressão. Entre as embaixadas junto ao Vaticano, a reação foi de surpresa. "Os embaixadores estão perplexos", declarou ao Estado o embaixador do Brasil junto à Santa Sé, Almir Franco de Sá Barbuda.

"Ficamos de boca aberta. As pessoas não se moviam", comentou o religioso mexicano Oscar Sanchez Barba, de Guadalajara.

Mas pessoas que o acompanham apontam que Bento XVI deu sim algumas pistas. Com dificuldades para andar, passou a usar o bastão que era de João Paulo II. Em recente reunião, declarou que se ele não fosse ao Rio de Janeiro para a Jornada da Juventude, "o próximo papa" iria. Em 2010 disse que, no momento que não se sentisse capaz física e psicologicamente, renunciaria.

O Vaticano fez questão de apresentar a notícia com um ar de certa normalidade. Seu porta-voz, Federico Lombardi, disse que papas têm "o direito e até o dever" de renunciar nesses casos. E que não há nada nas leis canônicas que o impeça disso, desde que seja livremente e de forma consciente. Para Lombardi, foi uma decisão "de grande coragem", e o papa não estaria temendo um cisma na Igreja por conta do vácuo de poder.

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Para pessoas próximas ao Vaticano, Bento XVI sofreu ao lado de João Paulo II por anos sua doença e já havia indicado que não iria permitir que o mesmo ocorresse com ele, justamente para permitir que a Igreja possa continuar exercendo seu papel. Se João Paulo chegou a pensar em renunciar, nunca assumiu: "Da cruz não se desce", disse.

No domingo, Bento se manifestou no Twitter: "Devemos ter confiança na força da misericórdia de Deus. Embora sejamos todos pecadores, a sua graça nos transforma e renova."

Futuro. A renúncia inicia um debate sobre o que deve ser a instituição no novo milênio e quem deve ser escolhido para comandar uma instituição de 2 mil anos que se vê confrontada com a queda de fiéis e críticas de que não conseguiu acompanhar as mudanças da sociedade. Bento XVI foi claro em várias ocasiões: não é a Igreja que deve mudar, já que a doutrina não muda.

Seus críticos dizem que a renúncia e o calendário de dois meses até a eleição foram montados para permitir que a ala mais conservadora da Igreja tenha tempo para influenciar nos bastidores e evitar uma "revolução" de cardeais mais novos.

Para o editor-chefe do jornal La Repubblica, Ezio Mauro, a renúncia é, no fundo, uma erupção de modernidade na Igreja.

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