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Café com floresta muda a paisagem do Pontal

Assentamentos vizinhos ao Morro do Diabo criam corredores de fauna plantando café orgânico com árvores nativas

Por Agencia Estado
Atualização:

Um saldo de apenas 1,85% da cobertura florestal original foi o resultado ambiental mais evidente de pelo menos 5 décadas de conflitos fundiários do Pontal do Paranapanema, no oeste de São Paulo. Extremamente fragmentados, estes remanescentes se espalham em fazendas e assentamentos, em torno do Parque Estadual Morro do Diabo, a única grande mancha de mata nativa preservada, com seus 37 mil hectares. Para reverter esta fragmentação - e as conseqüências desastrosas, que ela tem para a fauna ? o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) iniciou um projeto de bosques ?trampolim?, incentivando fazendeiros e assentados a plantar pelo menos um hectare de árvores nativas entre o parque e suas reservas particulares de floresta, nas trilhas usadas por alguns animais silvestres, na sua busca diária por alimento. Há um ano, os bosques ?trampolim? ganharam uma nova versão, com a adição de mudas de café, cultivadas sem agrotóxicos, o que é possível graças à proteção natural oferecida pela sombra e diversidade das árvores nativas, com as quais o café divide o espaço. ?Embora tenhamos conseguido implantar 70 hectares de bosques trampolim, entre 1998 e 2000, em 2 assentamentos vizinhos ao parque, ainda faltava um estímulo para aumentar a adesão dos agricultores à formação de bosques?, explica Laury Cullen Júnior, do IPÊ, coordenador do projeto. ?É difícil convencer um assentado, com um lote de 14 a 18 hectares, a destinar um hectare para árvores nativas, que não geram renda?. Mas com o café com floresta é diferente. Já no segundo ano, o agricultor colhe uma safrinha e a produção plena inicia no quarto ano. O café é orgânico e do tipo arábica, com boa aceitação e preço diferenciado no mercado. ?Aumentou muito a adoção, as famílias de assentados têm vindo nos procurar e, em um ano, já constituímos 40 hectares de bosques?, comemora Cullen Jr. ?A paisagem do Pontal está mudando e, além do valor ambiental, esta mudança tem valor social e cultural?. E, para a fauna, o que importa é que a mobilização do solo é mínima ? pois o café é uma cultura permanente ?, não se usam venenos ? pois o cultivo é orgânico - e o caminho entre os remanescentes de mata natural estão mais protegidos, facilitando até o trânsito de animais menores. IPÊ/divulgaçãoO plantio de café com floresta facilita o trânsito entre o Morro do Diabo (ao fundo) e os remanescentes de mata nativa do entorno. O projeto é apoiado pela Ashoka Empreendedores Sociais, Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Fundação Interamericana e Instituto Florestal de São Paulo, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Conta com cerca de US$100 mil para um prazo de 4 anos, recursos utilizados no estabelecimento de viveiros de mudas de nativas - de pelo menos 40 espécies diferentes - e compra das mudas orgânicas certificadas de café, além da assistência técnica e cursos de capacitação dos agricultores. Segundo Cullen Jr, o IPÊ também está começando a desenvolver planos de negócios para a comercialização do café, visando aumentar ainda mais a adesão. ?A gente sempre sonhou com o verde e aproveitava os passeios no meio ambiente, junto com o pessoal do Ipê, para conhecer melhor. Agora, com o café, deu para plantar?, diz Antônia Pereira dos Santos, de 47 anos, do assentamento Ribeirão Bonito. Com 6 pessoas da família morando no lote e plantando ?de tudo um pouco?, Antônia já espera colher a primeira safra de café em 2004 e admira o tamanho das mudas nativas. ?Já tem árvore pra mais de metro, algumas até pra mais de dois metros?. ?Se você chega na minha casa, já é um bosque de mato?, afirma outro assentado de Ribeirão Bonito, José Santiago, de 52 anos. ?Sempre gostei de prevenir com o meio ambiente: aqui a temperatura nesta época chega a 35, 40 graus, sem sombra, nem os bichos agüentam, quanto mais o ser humano?. Além de dois bosques trampolim, Santiago plantou nativas em volta da casa e numa pequena área destinada às crianças. E comemora a possibilidade de comer frutas sem veneno, graças à opção pelo cultivo orgânico, feita com a orientação técnica do IPÊ. ?Os bosques protegem contra as pragas e também contra a geada, já plantei tanto que daqui a pouco meu lote vai virar reserva?, brinca.

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