Cientistas caçam abelhas no Ártico

Uma equipe de pesquisadores explora o lado selvagem do norte do Alasca pela Bombus polaris, uma grande abelha que tem se adaptado ao frio e pode lhes ensinar mais sobre os efeitos da mudança climática

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Por James Gorman
Atualização:

ALASCA – "Para as abelhas, tempo é mel." Bernd Heinrich, "Bumblebee Economics" (a economia do abelhão, em tradução literal).

Cento e sessenta quilômetros ao norte do Círculo Ártico, ao lado de uma estrada de terra, duas mulheres vestindo máscaras contra mosquitos observam um abelhão rainha zumbindo ferozmente num tubo de plástico.

Hollis e Bren Woodard capturando abelhas perto de tubulações no Alasca Foto: Katie Orlinsky| The New York Times

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"Acho que é o maior abelhão que já capturei na vida!", diz Kristal Watrous.

S. Hollis Woodard olha o prêmio e declara: "É o maior que já vi na minha vida".

Woodard, professora assistente da Universidade da Califórnia, campus de Riverside, a diretora do seu laboratório, Watrous, e uma pequena equipe de jovens acadêmicos embarcaram em uma viagem rodoviária caçando abelhas de Fairbanks à Baía de Prudhoe, quase 1.600 quilômetros contando ida e volta, sendo quase 1.300 na rodovia Dalton.

Eles querem saber mais sobre as abelhas do Ártico, uma espécie de laboratório da mudança climática. O derretimento do gelo marinho e o aumento do nível do mar afetam suas costas. Verões mais longos e quentes estão alterando a vida botânica no interior, devendo afetar a vida dos insetos. Embora as abelhas sejam os principais polinizadores das plantas da tundra, e algumas delas, como as frutas silvestres, sejam muito cobiçadas pelos nativos do Alasca, pouco se sabe sobre a população e o comportamento das abelhas para ser possível perceber a mudança quando ela ocorrer. É esse quadro que a equipe espera consertar.

Eu me juntei ao grupo na noite anterior, e agora estamos cruzando a tundra e os salgueiros nos arredores de um ponto de manutenção do oleoduto que atravessa o estado. O lugar, chamado Chandalar Shelf, encontra-se à sombra de picos montanhosos tão afiados quanto machados novinhos da Idade da Pedra – o começo da cordilheira Brooks.

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É o terceiro dia do grupo em campo – o meu primeiro – e embora o local esteja fervilhando com abelhas, parece que caçar esses insetos é como pescar. Não importa aonde se vai e quando se chegue, alguém sempre dirá: "Você deveria ter vindo ontem". Ou anteontem.

Outra pesquisadora, Jessica Purcell, professora assistente do departamento de entomologia em Riverside, diz que, dois dias atrás no Círculo Ártico, "não se tirava a rede de uma flor sem pegar uma abelha".

Ela e o marido, Alan Brelsford, ambos novatos no setor de abelhas, pegaram 40 insetos cada. "Tivemos de soltar algumas", conta Brelsford, que vai começar na Universidade antes do final do ano como professor assistente de biologia.

Aqui, as abelhas não são tão numerosas, e os caçadores estão tão animados quanto crianças caçando ovos de Páscoa.

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Dois dos pesquisadores são irmãos. O irmão de Woodard, Bren, ex-fuzileiro naval e participante dedicado em encenações de episódios da história militar, carrega uma escopeta quando existem temores envolvendo ursos-cinzentos, mas isso não parece interferir com sua caçada às abelhas. Sua pesquisa é ampla, como a de Jeff Diez, botânico e veterano do grupo. Ele integra a universidade há três anos.

Os caçadores de abelhas correm e atacam, levando redes parecidas com a de colecionadores de borboleta, gritando "abelha" ou "peguei uma" quando têm sucesso. Eles as colocam em tubos plásticos e as levam a Michelle Duennes, pesquisadora de pós-doutorado do laboratório de Woodard, para que sejam identificadas.

Enquanto olha as abelhas, espécies saltam de sua língua como se fossem ingredientes de uma poção de Hogwarts. "Sylvicola". "Neoboreus". "Balteatus". Todas são abelhões do mesmo gênero ressonante, Bombus.

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Hollis Woodard na rodovia Dalton Foto: Katie Orlinsky| The New York Times

Enquanto a equipe se prepara para ir adiante, Duennes pega tubos plásticos do irmão de Woodard, cuja reputação como caçador de abelhas cresce com os sucessos de cada dia.

"Você parece um encantador de abelhas", lhe diz Duennes.

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Com sua cobertura de inverno, a rodovia Dalton é a estrela do programa de televisão "Caminhoneiros do Gelo". Em parte asfaltada e em parte cascalhada, ela parece mais uma estrada de terra em meados do verão, mas a viagem ainda lembra um reality show para os fãs de história natural. O título poderia ser Expresso da Abelha Polar.

Todos os cientistas têm menos de 40 anos. Eles não se levam muito a sério. Diez tolera as brincadeiras constantes com seu chapéu australiano; às suas muitas tatuagens, Woodard acrescentou uma de larva de abelha. Duennes é fã de patinação e atende pelo adequado apelido de Polinizadora.

A viagem está sendo financiada por um subsídio universitário para estimular a colaboração entre jovens cientistas.

"Estamos em um momento especial das nossas carreiras", declara Woodard.

Eles nunca haviam trabalhado em campo juntos, mas em função das verbas disponíveis, "a gente se perguntou qual seria a coisa mais louca que poderíamos fazer". A resposta: subir para o norte do Alasca e avaliar a condição dos abelhões no Ártico, onde a mudança climática acontece em rápida velocidade.

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Além disso, Woodard conta que estava interessada em ir além do seu trabalho recente de estudar as proteínas no cérebro de abelhas.

"Sou muito voltada para o laboratório", afirma ela, parada em meio à nuvem de mosquitos, usando uma máscara de tela, com montanhas ao fundo e a poeira de jamantas na rodovia estreita a centenas de metros dali.

"Estou tentando fazer mais do que isso."

"Pandas do mundo dos insetos"

Michelle Duennes processando espécimes de abelha no Marion Creek, na rodovia Dalton Foto: Katie Orlinsky| The New York Times

Os autores de um guia sobre os abelhões norte-americanos começam seu volume afirmando que "todos gostam de abelhões".

"Eles são os pandas do mundo dos insetos. São grandes e felpudos. As pessoas conseguem vê-los. Eles se deslocam à baixa velocidade", assegura Woodard.

Eles somam 250 espécies, uma pequena fração das 20 mil espécies de abelhas do mundo. Estudos genéticos sugerem que surgiram no planalto tibetano, onde ainda existe a maior variedade, mas se espalharam pelo Hemisfério Norte e para a América do Sul.

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Também são insetos sociais. Enquanto as abelhas melíferas podem se reunir em cidades de insetos de cem mil abelhas ou mais, os abelhões moram no equivalente a vilarejos, com colônias de 50 até algumas centenas de indivíduos.

Quase todas as colônias de abelhões duram somente uma temporada. Quando o clima frio se aproxima, as operárias, a rainha e os zangões morrem. Somente fêmeas férteis que se acasalaram – futuras rainhas – buscam refúgio debaixo sob a tundra, às vezes em tocas de ratos abandonadas, onde sobrevivem ao inverno em um estado de torpor. Na primavera, elas emergem para recomeçar o ciclo.

Os abelhões são as únicas abelhas a viver no alto Ártico. Eles se adaptaram à escuridão e ao frio do inverno que cai dezenas de graus abaixo de zero e à explosão de crescimento e polinização durante o sol da meia-noite no verão.

E é por isso que a caravana de caçadores de abelhas avança pela rodovia Dalton.

Algumas mudanças no clima já são óbvias. Os salgueiros estão tirando proveito de um clima mais ameno e se espalhando para o norte, áreas onde somente plantas rasteiras e líquens da tundra viviam. O alce segue a marcha dos salgueiros.

E existem lacunas no conhecimento das abelhas do Ártico que precisam ser preenchidas. O grupo nesta expedição quer ajudar a aumentar a informação sobre as populações atuais e seu comportamento para medir a mudança em andamento.

Um tipo de abelha domina as caçadas e as conversas. É a "Bombus polaris", o abelhão do Ártico. Outros abelhões moram no Ártico, mas a polaris sobrevive mais perto do Polo Norte do que qualquer outra abelha, à exceção das espécies parasitas que não criam ninhos nem geram operárias, botando seus ovos em ninhos de polaris. Ela quase não tem sido estudada desde que Bernd Heinrich examinou sua fisiologia na década de 1990. Para Woodard, a "Bombus polaris" é uma espécie de troféu.

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Ela se adaptou tão bem ao frio que, ao fazer tremer os músculos, pode elevar a temperatura interna a mais de 35 graus Celsius quando a externa é de zero. A polaris vive ao redor do mundo, nos pontos mais ao norte da ilha Ellesmere, no Ártico canadense, e na Groenlândia.

Ela não fica aquecida apenas para voar. Heinrich sugeriu em sua pesquisa que uma rainha na primavera aquece os ovários para dar início à produção de óvulos a serem fertilizados com esperma armazenado em seu corpo desde o outono anterior.

Até o final do dia, porém, em Chandalar Shelf, ninguém achou uma abelha que pudessem identificar como sendo a polaris.

Naquela noite, montamos acampamento em uma pedreira onde canos e outros materiais do oleoduto são armazenados. Cada abelha capturada está em um tubo plástico, e Duennes aplica nelas ar comprimido comprado em mercado. Segundo ela, o ar comprimido não é apenas ar. Essa variedade contém difluoretano, que tonteia as abelhas.

Ela remove as vísceras para mais tarde procurar bactérias e vírus, e as coloca em uma solução que as preserva para estudo genético. O corpo das abelhas é mergulhado em etanol.

Enquanto trabalha, a cientista conta alguns eventos do dia, incluindo uma abelha que poderia ser uma polaris, mas que não era. Ela não queria que o inseto escapasse, então a pegou pela rede para garantir que isso não acontecesse. Duennes pensou: "Não me importo se ela me picar, mas eu fui picada e pensei: 'Ai, ai, eu me importo, sim'".

"Luxo" no Ártico

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No dia seguinte, chegamos a um oásis de luxo, a Estação de Campo Toolik, uma base de pesquisa da Universidade do Alasca Fairbanks.

A estação é um posto avançado científico remoto pontilhado com dormitórios com formato de barracão Quonset, banheiros em palafitas e laboratórios em prédios modulares retangulares. Os chuveiros são quentes, mas os banhos são limitados a dois por semana, de no máximo dois minutos.

A cantina oferece uma infinidade de opções para fazer sanduíches, café, salgados, doces e sorvetes. As refeições são substanciosas. Não existem mosquitos na cantina, então não é preciso resolver o problema de como levantar uma rede contra bichos sobre as cabeças para colocar alimento na boca. A estação também tem sauna, instalada na margem do gelado lago Toolik. A roupa é opcional, então, durante a orientação, sabemos que existem horários para homens, mulheres e uso misto.

Com o luxo, entretanto, as abelhas desaparecem. Durante dois dias, tentamos locais dentro e fora da estação. Aqui e ali, alguém acha uma abelha, mas elas parecem ter desaparecido quase que inteiramente.

Cientista da Universidade da Califórnia, Riverside comento e processando dados na estrada Foto: Katie Orlinsky| The New York Times

Outros cientistas em Toolik dizem que no começo do ano várias nevascas pesadas, intermeadas com períodos quentes, liquidaram as tentativas dos pássaros migratórios de se reproduzir, soterrando os ninhos e congelando ovos e filhotes. Algo semelhante pode ter ocorrido às abelhas.

Em quatro de julho, no entanto, eu observo Duennes identificar a primeira "Bombus polaris". Quando a viagem terminar e os pesquisadores fizerem testes genéticos na Universidade da Califórnia, campus de Riverside, eles perceberão que acharam mais de 40 indivíduos da espécie, mas ainda não sabem disso.

A primeira "Bombus polaris" é um presente. Uma pesquisadora que usava redes de malha fina para capturar pássaros também apanhou uma série de abelhas por acaso. Com alegria, ela entregou mais de duas dúzias.

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As abelhas estavam em uma caixa de papelão, e a pelagem ficou fosca, impossibilitando ver as marcas coloridas que as identificam. Duennes e Watrous montaram um salão para afofar abelhas nos fundos do prédio de recreação da estação.

Em outra sala, Woodard e os outros três professores discutem a solicitação de um subsídio que nascerá desta viagem, uma busca pela "Bombus polaris" que pode levá-los à Groenlândia e à ilha Ellesmere.

Primeiro, as "cabeleireiras" lavam as abelhas com água e sabão. Elas as enxaguam e lavam com etanol. As abelhas são secas com papel toalha e seus pelos são separados com o mesmo material.

Eu admiro a transformação e Duennes levanta uma das abelhas recuperadas e diz, fazendo voz de desenho animado, "eu me sinto uma abelha nova em folha".

Os abelhões têm várias combinações de amarelo, marrom, preto e vermelho, e somente um especialista pode distinguir uma espécie da outra. Em alguns casos, somente um exame microscópico da genitália masculina ou teste de DNA fornecem a identificação definitiva.

Mas uma das abelhas recuperadas apresenta uma cor escura reveladora em um trecho amarelo na lateral. Duennes e Watrous comparam o exemplar com ilustrações de um guia. As cientistas não dizem o que acham até que Woodard examine a abelha.

Enquanto aguarda Duennes monta filas de abelhas para o teste improvisado, eu aproveito o tempo livre para jogar pebolim com Diez. Ele me goleia, passando o resto da viagem tirando sarro do meu vexame.

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Embora a estrada comprida para a Baía Prudhoe esteja à frente, e uma longa viagem de volta nos espere, quando Woodard escolhe a abelha certa da fila, Duennes está exultante.

"Tenho quase certeza que é uma polaris!"

Depois de avaliarem meticulosamente todas as objeções possíveis à identificação, os integrantes do grupo levantam os copos para brindar com Duennes: "Abelhas radicais, pessoas radicais".

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