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Cientistas descobrem vestígios de vida sob área seca da Antártida

Grupo de pesquisadores encontrou vasta rede de águas salgadas e descongeladas no deserto mais frio e seco do planeta

Por Fabio de Castro
Atualização:

Utilizando pela primeira vez na Antártida um sistema aéreo de produção de imagens, um grupo de cientistas descobriu, sob o solo, uma vasta rede de águas salgadas e descongeladas que podem ser a base para a existência de vida microbiana subterrânea - algo até agora desconhecido sob o mais frio e seco deserto do planeta.

O estudo foi publicado nesta terça-feira, 28, na revista científica Nature Communications. A descoberta, de acordo com os autores do artigo, traz informações inéditas sobre antigas mudanças climáticas na Terra e fornece fortes evidências de que um aquífero salgado recentemente encontrado em Marte possa também ser base para a existência de vida microscópica nos subterrâneos do planeta vermelho.

Os pesquisadores utilizaram um sensor eletromagnético aéreo, chamado SkyTEM, para detectar e mapear características subterrâneas do continente Foto: J. Mikucki

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Os pesquisadores utilizaram um sensor eletromagnético aéreo, chamado SkyTEM, para detectar e mapear características subterrâneas do continente cujo aceso teria sido impossível de outra maneira. O sistema utiliza uma antena suspensa sob um helicóptero para criar um campo magnético que revela a subsuperfície em uma profundidade de cerca de 300 metros.Como foi utilizado um helicóptero, amplas áreas de terreno acidentado puderam ser exploradas. 

A equipe que operou o SkyTEM foi financiada pela Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês), dos Estados Unidos e liderada por pesquisadores da Universidade do Tennessee em Knoxville e do Dartmouth College (Estados Unidos). 

"Esses materiais não congelados parecem ser vestígios de ecossistemas que existiram, no passado, na superfície. Nossas descobertas fornecem importantes evidências de que esses materiais agora são o habitat subterrâneo para vida microbiana, apesar das condições ambientais extremas do local", disse uma das autoras do estudo, Jill Mikucki, da Universidade do Tennessee. "Essas novas tecnologias de visualização subterrânea podem também fornecer informações sobre a dinâmica glacial e sobre como a Antártida responde às mudanças climáticas", afirmou.

Outro autor do estudo, Ross Virginia, do Dartmouth College, pesquisador principal do SkyTEM, afirma que o projeto está estudando o clima do passado e do presente no continente gelado, para compreender, em parte, como as mudanças climáticas do futuro afetarão a biodiversidade e os processos ecossistêmicos. "Essa fantástica nova visão sob a superfície nos ajudará a aprimorar ideias sobre como os Vales Secos de McMurdo têm mudado com o tempo e como essa história influencia o que observamos hoje", declarou.

Os cientistas descobriram que a água salgada descongelada forma extensos aquíferos interconectados nas profundezas, sob os glaciares e os lagos e dentro dos solos permanentemente congelados. A água salgada se estende desde a costa até 3 quilômetros para o interior dos Vales Secos de McMurdo, a maior região não coberta por gelo na Antártica. A água salgada pode ser resultado do congelamento e evaporação de um grande lago ancestral, ou de depósitos oceânicos muito mais antigos. 

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A descoberta mostra pela primeira vez que os lagos do Vale Seco são interconectados e não isolados. A conectividade entre lagos e aquíferos é importante para manter ecossistemas durante mudanças climáticas drásticas, como as que provocam o ressecamento de lagos. A descoberta também desafia o pressuposto de que partes dos mantos de gelo, que estão abaixo do ponto de fusão por pressão, são livres de água líquida.

Além de fornecer respostas sobre a adaptação biológica de ecossistemas antes desconhecidos que persistem no inverno extremamente frio e escuro da Antártida, o novo estudo poderá ajudar os cientistas a entender se condições parecidas podem existir em outros lugares do Sistema Solar, especificamente sob a superfície de Marte, que tem várias semelhanças com o Vale Seco. De maneira geral, o ecossistema do Vale Seco - frio, sem a presença de vegetação e com possibilidade de existência apenas de vida microscópica - é parecido, no verão da Antártida, com as condições da superfície de Marte.

O SkyTEM produziu imagens do Vale Taylor, ao longo do Mar de Ross, que sugerem que sedimentos de água salgada existem sob a superfície, com temperaturas de cerca de menos 20 graus Celsius - o que é considerado suportável para vida microbiana. Uma das áreas estudadas foi o Glaciar Taylor, onde os dados sugerem que a antiga água salgada ainda existe sob o glaciar. A conclusão é apoiada pela presença de uma queda de água salgada e rica em ferro que escorre do glaciar e abriga um ecossistema microbiano ativo.

A compreensão da ciência sobre o meio ambiente no subsolo da Antártida está mudando radicalmente, à medida que novas pesquisas revelam que os lagos subglaciais estão espalhados por todo o continente e que pelo menos metade das áreas cobertas por mantos de gelo são semelhantes aos ecossistemas inundados de outros continentes. Mas as águas subterrâneas nas regiões sem cobertura de gelo e ao longo das margens costeiras ainda permanecem pouco compreendidas.

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