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Destruição rápida de metano é má notícia para vida em Marte

Gás está desaparecendo 600 vezes mais rápido do que se achava, o que sugere algo extremamente hostil à vida

Por Carlos Orsi
Atualização:

A descoberta de emissões de metano em Marte, anunciada por cientistas da Nasa em janeiro, foi saudada como um possível indicador de que o planeta possui, ou já possuiu, vida: Na Terra, 90% do metano existente no ar é produzido por seres vivos. Agora, no entanto, cálculos realizados por pesquisadores franceses indicam que esse metano está desaparecendo muito mais depressa do que deveria, o que sugere que há algo em Marte que é extremamente hostil a matéria orgânica - e, por extensão, à vida.

 

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"Descobrimos que a destruição de metano tem de ser 600 vezes mais rápida do que se pensava antes, para explicar as observações", diz Franck Lefèvre, da Universidade Pierre e Marie Curie, de Paris. "Mas isso também significa que a produção de metano precisa ser 600 vezes maior, para satisfazer o equilíbrio".

 

O gás detectado pela Nasa concentra-se em pontos específicos do planeta, e parece ser emitido no verão. "A descoberta desses pontos máximos de metano bem localizados implica, portanto, um fenômeno bastante extraordinário", afirma Lefèvre.

 

Lefèvre e François Forget criaram um modelo do clima e da meteorologia de Marte que, juntamente com as reações químicas conhecidas do metano, foi usado para simular o comportamento do gás na atmosfera do planeta vermelho. Os resultados estão descritos na edição desta semana da revista Nature. O esquema de simulação usado, diz o artigo, reproduz corretamente a química da atmosfera terrestre.

 

O resultado, analisando-se as interações na atmosfera, foi surpreendente: "a química do metano, tal como compreendida atualmente, não é capaz de explicar" a distribuição do gás tal como descrita pelos cientistas da Nasa.

 

O metano tem vida curta na atmosfera de um planeta como a Terra ou Marte, porque é destruído pela radiação do Sol. Esse é um dos motivos que faz com que o gás seja visto como um possível indicador de vida: sua presença sugere que algum processo, biológico ou geológico, está trabalhando para produzi-lo. Do contrário, o gás não estaria lá para ser observado. O problema, de acordo com a análise de Lefèvre, é que o metano, uma vez tendo chegado à atmosfera de Marte, está sumindo rápido demais: em 200 dias, em vez de 300 anos.

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A presença de partículas eletricamente carregadas na atmosfera de Marte já havia sido sugerida como um possível acelerador da destruição do metano, mas a simulação francesa não apoia essa hipótese: a presença de campos elétricos fortes o bastante para destruir o metano no ritmo necessário geraria outros subprodutos, como grandes quantidades o gás monóxido de carbono (CO), que não são observados pelas sondas que investigam o planeta.

 

Se a destruição do metano não estiver ocorrendo na atmosfera, mas na superfície - por meio, por exemplo, de interações entre o ar e as rochas - a situação é ainda mais crítica: a escala de tempo para a perda do gás deixa de ser centenas de dias e passa a ser de poucas horas. E se o metano estiver sendo consumido na superfície, isso exigiria a presença, no solo marciano, de processos extremamente hostis à matéria orgânica - e, por tabela, à vida como a conhecemos.

 

Mas essa destruição acelerada não poderia ser, afinal, um sinal de vida? Estar sendo causada por algum tipo de micro-organismo que "come" metano? "Talvez sim... Talvez não!", responde Lefèvre. "Metanotrofos, micro-organismos comedores de metano, foram descobertos recentemente na Terra, mas sabe-se muito pouco sobre eles".

 

Outra explicação possível seriam os percloratos, moléculas descobertas no solo marciano no ano passado pela sonda Phoenix, da Nasa. "Os perclortaos poderiam contribuir para a destruição de metano e de outras moléculas orgânicas", reconhece Lefèvre. "Mas acredita-se que eles não oxidam matéria orgânica imediatamente, nas temperaturas marcianas. Então, uma destruição muito rápida de metano por percloratos não parece, no momento, uma explicação aceitável, mas ainda poderemos nos surpreender".

 

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Mais respostas, diz o artigo na Nature, provavelmente terão de esperar pelo envio de novos robôs à superfície marciana. A Nasa tem seu Mars Science Laboratory (Laboratório de Ciência de Marte, ou MSL) previsto para ser lançado em 2011, e a Agência Espacial Europeia (ESA), tem o Exomars, a ser lançado em 2018.

 

Se a superfície de Marte for mesmo tóxica, vida ainda poderia existir no subsolo. A que profundidade? "É uma pergunta para a qual gostaríamos de ter uma resposta", diz Lefèvre. "O Exomars vai levar uma perfuratriz capaz de chegar dois metros abaixo da superfície. Será a primeira vez que olharemos para o solo a essa profundidade. Espera-se que algum material orgânico tenha sido preservado ali, mas condições adequadas para a vida podem existir muito mais abaixo".

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