Estudo associa envelhecimento à baixa qualidade do sono

Capacidade de dormir a noite toda piora com o avanço da idade; isso agrava problemas de saúde, como a demência, diz pesquisa americana

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Por Fabio de Castro
Atualização:
Ao envelhecer, se perde gradualmente a capacidade de ter um sono profundo Foto: Paul Rogers/The New York Times

Não é difícil observar que as pessoas, à medida que se tornam mais velhas, dormem menos e acordam cada vez mais durante a noite. Para entender as causas desse fenômeno, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos analisou uma série de estudos científicos e concluiu que, ao envelhecer, se perde gradualmente a capacidade de ter um sono profundo e restaurador - o que provoca consequências físicas e mentais negativas, acelerando o próprio envelhecimento.

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Ter dificuldade para pegar no sono e acordar diversas vezes à noite fazem parte da rotina da aposentada Edith Avellar, de 82 anos. “Já vou dormir tarde, mas, mesmo assim, fico virando na cama e demoro para dormir. Quando durmo, o sono acaba ficando picado. Qualquer barulho já me acorda. Quando era mais jovem, parece que era mais fácil ter um sono mais profundo”, comenta ela.

A idosa diz que, com a má qualidade do sono, acaba ficando indisposta no dia seguinte. “Não consigo fazer o serviço de casa, fico sonolenta, cansada, às vezes durmo no sofá à tarde. E isso acaba desregulando ainda mais os horários porque, se eu durmo à tarde, aí é que não tenho mesmo sono à noite”, diz.

Infográficos/Estadão 

O sono muda com o envelhecimento, mas o que os cientistas descobriram é que essas mudanças podem também ser ponto de partida para explicar o próprio envelhecimento, segundo Matthew Walker, um dos autores do estudo, publicado nesta quarta-feira, 5, na revista científica Neuron.

Diretor do Laboratório de Sono e Neuroimagem da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, Walker afirma que um dos principais problemas ligados ao envelhecimento e agravados pela perda do sono é a demência. “Cada uma das principais doenças que estão nos matando nos países desenvolvidos - como diabete, obesidade, Alzheimer e câncer -, tem uma forte relação causal com a falta de sono. À medida que ficamos mais velhos, a probabilidade de todas essas doenças aumentam consideravelmente, especialmente a demência”, afirma.

Segundo Walker, a perda do sono entre as pessoas mais velhas não é causada por uma agenda cheia nem por necessidade menor de sono. O que ocorre é que, conforme o cérebro envelhece, os neurônios e os circuitos nas áreas que regulam o sono se degradam lentamente, resultando em um tempo cada vez menor nos estágios do chamado sono não-REM. 

Segundo os cientistas, o sono REM (movimento ocular rápido, na sigla em inglês), que ocorre com mais frequência na segunda metade da noite de sono, é caracterizado por uma atividade cerebral rápida - quando ocorrem os sonhos - e um relaxamento total do corpo. Enquanto isso, os estágios de sono não-REM são caracterizados por uma atividade cerebral lenta, que garantem um sono restaurador. Com menos horas nesses estágios de sono profundo, os idosos sofrem sequelas.

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Segundo outro dos autores, Bryce Mander, também da Universidade da Califórnia em Berkeley, o envelhecimento leva a um declínio de quase todas as medidas usadas para avaliar o sono. “Quanto mais se envelhece, a duração do seu sono é reduzida, fica mais fragmentado e o tempo gasto em cada um dos estágios é reduzido. O principal é que o tempo gasto nos estágios mais profundos - em especial no sono profundo não-REM - é reduzido dramaticamente. Mesmo a passagem de um estágio a outro se torna menos previsível e mais desorganizada”, explica.

Estudos no Brasil. Estudo de cientistas do Instituto do Sono, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado em 2014 na revista Sleep Medicine, chegou a conclusões semelhantes. Um dos autores, o geriatra Ronaldo Piovezan, professor de Biologia e Medicina do Sono na Unifesp, a pesquisa foi feita com mais de mil pessoas na cidade de São Paulo.

De acordo com Piovezan, o estágio mais profundo do sono não-REM é fundamental para a recuperação corporal. “Nessa fase do sono há liberação de alguns hormônios, como o do crescimento - que acreditamos ser muito importante para a regulação do funcionamento muscular. A perda do sono pode então estar ligada à perda de massa muscular na velhice, o que pode levar à dificuldade de locomoção e aumentar o risco de quedas”, afirma. 

A fragmentação, com o idoso acordando muito mais durante a noite, reduz a qualidade do sono. “Isso diminui a concentração e a atenção, prejudica a memória e aumenta o risco de demência”, afirma o pesquisador da Unifesp.

PRESTE ATENÇÃO

1. Tenha horários regulares para dormir e despertar. O ritmo cicardiano, o de sono e vigília, fica bastante desregulado nos idosos. Sem horários regulares, a tendência é de que o problema se agrave.

2. Não faça uso de álcool, café, refrigerante e bebidas como o chá preto, o chá verde e o chá mate próximo do horário de dormir. Substâncias com álcool e cafeína podem impedir que se chegue ao sono profundo. 

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3. Não faça uso de medicamentos para dormir sem orientação médica. O uso dessas drogas apenas tem um efeito sedativo no cérebro, mas não chega a restaurar os padrões normais de sono. 

4. Tenha um ambiente de dormir adequado: limpo, escuro, sem ruídos e confortável. O ciclo sono-vigília, que tende a sofrer alterações com a idade, é regulado por fatores externos como os padrões de iluminação.

5. Jante moderadamente em horário regular e adequado – cerca de duas horas antes de ir para a cama. Comer sempre nos mesmos horários também é um fator que interfere na regulação do ciclo sono-vigília. 

6. Os especialistas também recomendam: ir para a cama só na hora dormir; evitar dormir de dia, caso tenha dormido pouco nas noites anteriores; ser ativo física e mentalmente; e realizar atividades relaxantes.