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Estudo revela as mais antigas ferramentas de pedra já descobertas

Artefatos foram produzidos há 3,3 milhões de anos, cerca de 700 mil anos antes dos mais antigos já registrados

Por Fabio de Castro
Atualização:

Um grupo de cientistas encontrou, no Quênia, as ferramentas de pedra mais antigas já descobertas. Com 3,3 milhões de anos, os grosseiros artefatos mostram que hominídeos primitivos já eram capazes de produzir ferramentas pelo menos 700 mil anos antes do que se pensava. 

De acordo com os autores do estudo, publicado na revista Nature, a descoberta indica que membros do gênero Homo - linhagem de hominídeos que culminou no aparecimento dos humanos modernos - não foram os primeiros a criar ferramentas de pedra. 

Sammy Lokorodi, morador do deserto no noroeste do Quênia, trabalha como caçador de fósseis e artefatos. Ele levou os cientistas até o local onde havia ferramentas de 3,3 milhões de anos Foto: West Turkana Archeological Projetct

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As ferramentas mais antigas conhecidas até agora, encontradas na Etiópia, tinham 2,6 milhões de anos e haviam sido associadas ao Homo habilis - o mais antigo representante do gênero Homo. A nova descoberta é a primeira prova de que um grupo de hominídeos ainda mais primitivo já possuía a capacidade mental necessária para conceber a ideia de modificar pedras a fim de criar uma nova tecnologia.

De acordo com os autores, a coleção de ferramentas encontrada no Quênia inclui bigornas, pedras-martelo e paralelepípedos que possivelmente eram utilizados para afiar instrumentos cortantes. Os artefatos são mais primitivos e mais pesados que os da Etiópia, indicando que seus usuários eram muito robustos e tinham bom controle motor. 

Segundo os autores do estudo, as ferramentas de pedra marcam "um novo início para os registros arqueológicos conhecidos". Os artefatos foram encontrados no sítio arqueológico de Lomekwi 3, perto do lago Turkana, no Quênia - região onde inúmeras descobertas importantes de fósseis já foram feitas.

"O sítio inteiro é surpreendente. Ele simplesmente reescreve muita coisa que acreditávamos ser verdade", disse um dos autores do artigo na Nature, o geólogo Chris Lepre, da Universidade Rutgers, responsável por fazer a datação exata dos artefatos.

De acordo com Sonia Harmand, da Universidade de Paris Nanterre, autora principal do artigo, as ferramentas "iluminam um inesperado e até agora desconhecido período do comportamento dos hominídeos e pode nos dizer muita coisa sobre o desenvolvimento cognitivo dos nossos ancestrais que não poderíamos descobrir apenas estudando fósseis".

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Por muito tempo, os antropólogos acreditavam que os hominídeos do gênero Homo, nossos mais próximos ancestrais na evolução, haviam sido os primeiros a fabricar ferramentas de pedra. Mas uma série de descobertas recentes já havia dado pistas de que espécies mais antigas de hominídeos poderiam tê-las desenvolvido antes.

Embora os cientistas ainda não saibam quem fez as ferramentas encontradas no Quênia, descobertas anteriores sugerem uma possível resposta: um crânio de 3,3 milhões de anos de um hominídeo da espécie Kenyanthropus platytops foi encontrado em 1999 a cerca de um quilômetro do local onde foram desenterradas as ferramentas. 

Para os cientistas, é possível que o K. playtops - cerca de 500 mil anos mais antigo que a primeira espécie do gênero Homo - tenha fabricado as ferramentas. Mas também não está descartada a hipótese de que elas tenham sido feitas por outras espécies da mesma época, como o Australopithecus afarensis, ou por algum tipo de Homo que até hoje não foi descoberto.

Segundo Lepre, uma camada de cinzas vulcânicas sob o sítio onde foram encontradas as ferramentas permitiu datá-las em 3,3 milhões de anos. Para uma datação mais precisa, os pesquisadores examinaram minerais magnéticos nos locais onde as ferramentas foram achadas. O campo magnético da Terra é revertido periodicamente e a cronologia dessas mudanças é bem documentada, permitindo retroceder milhões de anos. A datação foi feita a partir do rastreamento da variação na polaridade das amostras.

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Ao estudar isótopos de carbono no solo, os cientistas conseguiram reconstruir a vegetação da área e tiveram uma surpresa: o local, hoje deserto e ermo, era há 3,3 milhões de anos parcialmente coberto de florestas e arbustos. Até agora, os cientistas achavam que a produção de ferramentas havia sido uma resposta dos hominídeos às mudanças climáticas que produziram o avanço de savanas e pradarias.

Segundo os autores do novo estudo, muitos cientistas acreditavam até agora que os hominídeos começaram a bater uma rocha contra outra para produzir lascas cortantes, a fim de cortar a carne de animais abatidos. Mas o tamanho e o formato das marcas nas ferramentas descobertas no Quênia sugerem que o propósito era outro, especialmente porque o ambiente de florestas dava àqueles hominídeos acesso a vários recursos vegetais. 

Para os autores do novo artigo, as ferramentas podem ter sido feitas para quebrar sementes ou tubérculos, para partir troncos apodrecidos e buscar insetos em seu interior, ou para algum outro fim desconhecido.

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Sonia Harmand, autora principal do artigo na Nature, examina uma ferramenta de pedra no Quênia Foto: MPK-WTAP

Primeiros achados. Os primeiros artefatos de pedras primitivos da África oriental foram descoberto na Garganta de Olduvai, na Tanzânia, na metade do século 20. Na década de 1960, aquelas ferramentas foram associadas à descoberta de fósseis do Homo habilis, espécie que viveu entre 2,1 milhões e 1,5 milhões de anos atrás. 

Achados posteriores, no entanto, acabaram antecipando a data do aparecimento dos ancestrais dos humanos e da produção de ferramentas. A descoberta de um pedaço de mandíbula na região de Afar, na Etiópia, anunciada no dia 4 de março na revista Science, mostrou que o primeiro fóssil do gênero Homo era bem mais antiga que a datação do Homo habilis: tinha 2,8 milhões de anos. Um outro artigo publicado na Nature no mesmo apresentava provas de que um fóssil de Homo habilis tinha características anatômicas tanto do gênero Homo, como de outras linhagens de hominídeos muito anteriores.

Os cientista têm até mesmo provas de que existiram ferramentas ainda mais antigas que as agora encontradas no Quênia. Em 2009, cientistas desenterraram na Etiópia ossos de animais de 3,4 milhões de anos com marcas de cortes: elas seriam provas de que alguém utilizou pedras para cortar a carne - e talvez para extrair a medula dos ossos. Entretanto, nenhuma ferramenta foi encontrada no local e nunca ficou comprovado se as marcas foram feitas por ferramentas fabricadas, ou simplesmente por pedras afiadas. 

A nova descoberta aconteceu em julho de 2011, quando Harmand e sua equipe entraram em uma trilha errada e subiram uma colina para procurar o caminho correto. Segundo ela, o grupo logo percebeu que o local era especial e um morador de uma comunidade de Turkana, o caçador de fósseis etíope Sammy Lokorodi, ajudou os pesquisadores a encontrar as ferramentas. As escavações se estenderam até 2012 e os cientistas encontraram, no sítio de Lomekwi 3, 149 artefatos de pedra lascada.

Os cientistas tentaram bater pedras para entender melhor como as ferramentas puderam ser feitas. Eles concluíram que as técnicas usadas poderiam representar um estágio tecnológico intermediário entre o uso de ferramentas simples para martelar - típico dos primeiros hominídeos - e o uso de ferramentas para lascar, que caracteriza a produção de artefatos. 

Sabe-se que os chimpanzés e outros primatas são capazes de utilizar uma pedra para martelar e abrir sementes sobre outras pedras. Mas utilizar uma pedra para propósitos múltiplos, ou utilizá-las para quebrar outras pedras, a fim de conseguir uma ferramenta mais afiada, é um comportamento considerado mais avançado.

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