Estudo revela mais antigo traço de poluição na América do Sul

Há mais de 400 anos, produção de prata da Espanha em Potosí deixou resíduos químicos que foram encontrados sob calota de gelo 

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Por Fabio de Castro
Atualização:

Cientistas da Universidade Estadual de Ohio (Estados Unidos) descobriram, no leste do Peru, os mais antigos vestígios de poluição atmosférica produzida pelo homem na América do Sul. Sob a calota de gelo de Quelccaya, que fica na face oriental da cordilheira dos Andes, a cerca de 5,5 mil metros de altitude, os pesquisadores encontraram partículas de chumbo provenientes da mineração realizada na época da conquista espanhola do império Inca.

Durante a conquista da América do Sul, o império espanhol forçou a população inca a trabalhar na extração de prata no alto das montanhas de Potosí, na atual Bolívia, onde ficavam as maiores jazidas do mundo. Os incas já sabiam como refinar a prata, mas, em 1572, os espanhóis introduziram uma nova tecnologia que, além de multiplicar a produção, lançou pela primeira vez sobre os Andes grossas nuvens de poeira de chumbo. 

Poluentes foram levados por mais de 800 quilômetros até o Peru, onde pequenas porções ficaram depositadas sobre a calota de gelo de Quelccaya Foto: Paolo Gabrielli/Universidade Estadual de Ohio

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Segundo os pesquisadores, os ventos levaram esses poluentes por mais de 800 quilômetros em direção noroeste, até o Peru, onde pequenas porções ficaram depositadas sobre a calota de gelo de Quelccaya. Ao longo dos séculos, as partículas ficaram enterradas sob o gelo e a neve, até que os cientistas as encontraram em 2003.

O estudo, publicado na revista científica PNAS, revela que uma das camadas sob a calota de gelo de Quelccaya - o maior glaciar existente em regiões tropicais -, contém pequenas porções de chumbo que possuem a assinatura química das minas de prata de Potosí. 

De acordo com os autores, trata-se do primeiro registro detalhado de poluição atmosférica produzida por seres humanos na América do Sul antes da revolução industrial. Com isso, Quelccaya se torna um dos poucos locais do mundo onde se pode estudar atualmente o impacto pré-industrial do homem na qualidade do ar.

"A descoberta reforça a ideia de que o impacto humano no meio ambiente foi generalizado, mesmo mais de 200 anos antes da revolução industrial", disse um dos autores, Paolo Gabrielli. Segundo ele, o achado é fundamental para estudar a história do clima mundial e futuras pesquisas no local poderão ajudar a compreender melhor o destino da poluição que circula hoje na atmosfera.

As amostras foram retiradas do gelo que se formou ao longo de 1200 anos, conforme a neve se depositava nos Andes peruanos. Camada por camada, o gelo capturou elementos químicos do ar e da chuva, durante estações secas e úmidas. Agora, os cientistas analisam a química das diferentes camadas para medir as mudanças históricas no clima.

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Para o novo estudo, os pesquisadores utilizaram um espectrômetro de massa, a fim de medir a quantidade e o tipo de compostos químicos presentes no gelo de 800 a.C. até hoje. Eles procuraram antimônio, arsênico, bismuto, molibidênio e, especialmente, chumbo. Os autores sabiam que o processo de refino introduzido pelo espanhóis na América do Sul envolvia a moagem do pó de minério de prata - que contém muito mais chumbo que prata - antes de misturá-lo com mercúrio, em um processo conhecido como amalgamação. A mistura então era destilada e colocada em fornalhas. Assim, esperava-se que a poluição atmosférica produzida pelo refino de prata tivesse traços de partículas de chumbo.

Depois de analisar as amostras no espectrômetro de massa, os pesquisadores compararam os dados com os que foram obtidos em minas do Chile, da Bolívia e outros locais do Peru. As assinaturas químicas comprovaram que a poluição no gelo de Quelccaya veio mesmo de Potosí, onde ocorreu a maior parte da produção espanhola de prata. 

"O fato de termos detectado poluição no gelo em um local primitivo e de grande altitude indica como esse tipo de deposição é significativo. Só uma fonte de poluição muito considerável poderia ir tão longe e afetar a química da neve em um local tão remoto", disse Gabrielli.

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