PUBLICIDADE

Estudo sobre réptil com coluna torta pode ter usado fóssil roubado do Brasil

Estudo polonês sobre animal ancestral dos lagartos com má-formação na espinha foi feito com material suspeito de ter sido contrabandeado do Paraná

Por Giovana Girardi
Atualização:
Estudo com fóssil de um réptil encontrado no Paraná mostra que ele tem sinais de escoliose. Material pode ter sido contrabandeado para fora do País e foi usado em pesquisa na Polônia Foto: Tomasz Szczygielski

A descrição de um fóssil de réptil com o mais antigo sinal já encontrado de escoliose na espinha pode ser o mais novo caso de estudo científico estrangeiro feito com material paleontológico contrabandeado para fora do Brasil.

PUBLICIDADE

O achado, divulgado na semana passada na revista científica PLoS ONE por pesquisadores poloneses, descreve que o fóssil quase completo de um mesossauro (ancestral dos répteis) da espécie Stereosternum tumidum, que viveu no início do Permiano (por volta de 290 milhões de anos), veio do Paraná. Os autores, liderados por Tomasz Szczygielski, da Academia Polonesa de Ciências, escrevem somente que ele foi comprado em meados da década de 1990 de um colecionador privado, Zofia Zaranska”.

A citação alertou a Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) sobre a possibilidade de se tratar de um fóssil levado ilegalmente do País. Por uma lei nacional de 1942, fósseis só podem ser retirados do Brasil com autorização do governo. 

Hoje essa função cabe à Agência Nacional de Mineração, criada em julho em substituição ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

O presidente da SBP, o pesquisador Renato Ghilardi, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), enviou uma carta aos editores da publicação alertando para o que ele chamou de “apoio da publicação ao comércio ilegal de fósseis brasileiros”. Segundo ele escreve na carta, “a não ser que o fóssil tenha deixado o Brasil há mais de 70 anos, ele saiu ilegalmente”.

Ao Estado, Ghilardi afirmou que o problema não é raro. “Não temos ideia do volume, mas com certeza sai fóssil daqui com bastante frequência. Tem desde o cientista que contrabandeia, vai comprando fóssil e, quando acha algo interessante, publica, a até uma verdadeira máfia, que trabalha com gente que faz triagem por aqui e sabe o que interessa lá fora, como pterossauros”, afirma.

Ele aponta que um outro complicador é que a comunidade paleontológica no Brasil é muita pequena. Nos seus cálculos, devem ser somente uns cem profissionais. Sobre o grupo animal analisado no estudo polonês, por exemplo, diz Ghilardi, não há especialistas no Brasil. “Uma descrição como essa talvez nem ocorresse por aqui. Somos muito poucos”, diz.

Publicidade

Um dos casos recentes mais famosos de possível contrabando ocorreu há dois anos. A revista americana Science, uma das mais prestigiadas do mundo acadêmico, publicou um trabalho sobre um fóssil de cobra com quatro patas encontrado na Chapada do Araripe, entre os Estados de Ceará, Pernambuco e Piauí. Na ocasião, o autor principal da pesquisa, David Martill, da Universidade de Portsmouth, na Inglaterra, disse que “não dava a mínima” sobre como o fóssil saiu do Brasil.

Os editores da PLoS ONE enviaram uma nota dizendo que estão considerando a questão com muita seriedade e investigando a denúncia. “A política da PLOS ONE indica claramente que não publicará pesquisas sobre espécimes que foram obtidos sem permissão necessária ou que foram exportados ilegalmente. A investigação está em andamento e não há um calendário claro para a sua conclusão”, informam.

Atualização em 3/10, às 19h46 - Tomasz Szczygielski enviou um e-mail dizendo que ele e colegas estão “tratando o assunto com muita seriedade” e declarou não ter ocorrido “má intenção em relação à propriedade do espécime”.

Segundo ele explicou, o fóssil quase completo de um mesossauro (ancestral dos répteis) da espécie Stereosternum tumidum descrito no trabalho foi adquirido pelo Instituto de Paleobiologia da Polônia há mais de 20 anos e que por isso vendo sido difícil rastrear sua história. 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

“Nenhum dos autores do estudo afiliados ao instituto estava trabalhando no órgão naquela época. A única informação sobre a origem do espécime que tivemos enquanto preparávamos o estudo veio de uma breve nota na tese de mestrado da Agnieszka Kapuscinska”, disse Szczygielski. Ele se à colega que também assina o estudo e havia anteriormente feito a identificação da espécie. 

“Como descobrimos recentemente, graças a um professor aposentado do instituto, o espécime foi transferido para a coleção do instituto pela mãe de um ex-embaixador da Polônia no Brasil. Presume-se que foi um presente adquirido em conexão com a atividade diplomática da embaixada”, continuou o pesquisador. 

Segundo ele, o “instituto rotineiramente exige que todos os seus espécimes estrangeiros sejam legalmente importados”. E finalizou falando que tem “total respeito às leis brasileiras relativas ao comércio de fósseis” e que não hesitariam “em devolver esse fóssil a uma instituição pública no Brasil se esta for a decisão oficial das autoridades brasileiras”.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.