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'Fake news' têm 70% mais chance de viralizar que as notícias verdadeiras, segundo novo estudo

Pesquisa do MIT publicada na Science analisou todas as postagens verificadas por agências de checagens de fatos desde a origem do Twitter em 2006; na mesma edição, 15 pesquisadores convocam comunidade científica a declarar guerra às notícias falsas

Por Fabio de Castro
Atualização:

As informações falsas têm 70% mais chances de viralizar que as notícias verdadeiras e alcançam muito mais gente. A conclusão é do maior estudo já realizado sobre a disseminação de notícias falsas na internet, realizado por cientistas do Instituto de Tecnologia de Masachussetts (MIT, na sigla em inglês), dos Estados Unidos. A nova pesquisa foi publicada nesta quinta-feira, 8, na revista Science.

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Os cientistas analisaram todas as postagens que foram verificadas por 6 agências independentes de checagem de fatos e que foram disseminadas no Twitter desde 2006, quando a rede social foi lançada, até 2017. Foram mais de 126 mil postagens replicadas por cerca 3 milhões de pessoas.

De acordo com o estudo, as informações falsas ganham espaço na internet de forma mais rápida, mais profunda e com mais abrangência que as informaões verdadeiras. Cada postagem verdadeira atinge, em média, mil pessoas, enquanto as postagens falsas mais populares - aquelas que estão entre o 1% mais replicado - atingem de mil a 100 mil pessoas.

"As conclusões do nosso estudo podem ser extrapoladas para qualquer outro país, incluindo o Brasil. O estudo teve foco nos Estados Unidos e nós estudamos as postagens feitas em inglês no Twitter em todo o mundo que passaram pela verificação de agências de checagem de fatos. No entanto, os padrões de disseminação das informações falsas que detectamos foram os mesmos em diversos países de língua inglesa e certamente se aplicam a postagens em outras línguas também", disse ao Estado o autor principal do estudo, Sinan Aral, pesquisador do MIT.

De acordo com o estudo, quando a notícia falsa é ligada à política, o alastramento é três vezes mais rápido. Outra conclusão é que, ao contrário do que se pensava, os robôs aceleram a disseminação de informações falsas e verdadeiras nas mesmas taxas. Isto significa que as notícias falsas se espalham mais que as verdadeiras porque os humanos - e não os robôs - têm mais probabilidade de disseminá-las, de acordo com Aral.

"Nós já esperávamos que as notícias falsas se espalhassem com mais rapidez e de forma mais abrangente que as verdadeiras. O resultado que realmente nos surpreendeu no estudo é que os robôs não são determinantes como pensávamos para a divulgação dessas notícias", disse Aral.

Outra conclusão que pode contrariar o senso comum, segundo ele, tem relação com o perfil das pessoas que divulgam notícias falsas na internet.

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"É bem natural imaginar que características dessas pessoas - como a popularidade, por exemplo - poderiam explicar por que as mentiras viajam mais rápido que a verdade, mas nossos dados mostram o contrário. Os usuários que espalham notícias falsas no Twitter têm menos seguidores, seguem menos gente, são menos ativos e estão no Twitter há menos tempo, em comparação aos usuários que replicam notícias verdadeiras", disse ele.

Avaliando a reação dos usuários que replicam informações encontradas no Twitter, o estudo também mostrou que, enquanto as mentiras inspiram "medo, revolta e surpresa", as histórias verdadeiras inspiram "expectativa, tristeza, alegria ou confiança". Segundo Aral, esse resultad permite levantar a hipótese de que as notícias mais inusitadas têm maior probabilidade de serem compartilhadas. 

"Além de medo e revolta, as notícias falsas inspiraram respostas que expressam grande surpresa, corroborando o que chamamos de 'hipótese da novidade'. Os resultados mostram que as pessoas comparitlham mais no Twitter as informações que contêm novidades. A novidade atrai a atenção humana e contribui para a tomada de decisões, estimulando o compartilhamento da informação. Quando a informação é inusitada, ela não apenas é mais surpreendente, mas também mais valiosa", disse Aral.

Apelo. De acordo com o cientista político Pablo Ortellado, um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP), notícias falsas tendem a fazer sucesso nas redes sociais especialmente porque elas apelam a sentimentos políticos das pessoas sem a necessidade de terem correspondência com a realidade.

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"Nossa sociedade, assim como a americana, vive um contexto de extrema polarização política e os conteúdos são filtrados por esses sentimentos. No entanto, isso não ocorre penas com as notícias falsas. As notícias verdadeiras também têm mais chance de viralizar quando apelam para os sentimentos", disse Ortellado.

O pesquisador discorda da conclusão de que as notícias falsas viralizam mais que as verdadeiras. "O estudo da Science é muito bem feito e tem uma metodologia sólida. Mas os autores alegam que as notícias falsas se espalham mais rápido que a verdade e eu acho que eles não têm elementos para afirmar isso. A conclusão realmente importante desse estudo é que as notícias mais apelativas têm se difundem com mais eficiência que as notícias mais 'frias'", afirmou Ortellado.

De acordo com ele, o problema é que o estudo se baseou em notícias que foram verificadas por agências de checagem de informações, que selecionam justamente as notícias mais populares. 

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"As matérias falsas que não viralizaram não são checadas pelas agências e não entraram no estudo. Os autores então acabam comparando as notícias falsas de alto apelo com as notícias verdadeiras em geral. Embora eu ache que o estudo foi bem feito, ele não permite embasar a conclusão que quiseram tirar", afirmou.

Guerra às "fake news". Na mesma edição da Science, um outro grupo de 15 cientistas publica um artigo convocando a comunidade científica internacional para realizar um esforço interdisciplinar de pesquisas para estudar as forças sociais, psicológicas e tecnológicas por trás das "fake news", a fim de desenvolver um novo ecossistema de notícias e uma nova cultura que valorize a promoção da verdade.

Segundo eles, os métodos dos disseminadores de notícias falsas estão cada vez mais sofisticados e é preciso partir para o combate. Eles dizem ainda que empresas como Google, Facebook e Twitter têm "responsabilidade ética e social que transcende as forças do mercado" e devem contribuir para a pesquisa científica sobre as notícias falsas.

"Esse artigo é um apelo a grupos de todo o planeta - acadêmicos, jornalistas e a indústria privada - para que trabalhemos juntos no enfrentamento desse problema", disse um dos 15 autores do texto, Filippo Menczer, professor de Engenharia e Computação da Universidade de Indiana.

"A principal mensagem é que as notícias falsas são um problema real, um problema difícil e um problema que requer pesquisa séria para ser resolvido. Os disseminadores de notícias falsas estão utilizando métodos cada vez mais sofisticados. Se não tivemos informação quantificável sobre o problema, não conseguiremos desenvolver intervenções que funcionem", disse Menczer. 

Segundo Menczer, as informações falsas afetam não apenas a esfera política, mas também temas de saúde pública, como nutrição e vacinação, assim como o mercado de capitais. Eles propõem como solução uma pesquisa rigorosa sobre a eficácia de cursos no ensino médio que ajudem os estudantes a reconhecer as fontes ilegítimas de notícias. Outra proposta é fazer mudanças específicas nos poderosos algoritmos que aumentam o controle dos indivíduos sobre a informação online.

"O desafio é que há tantas vulnerabilidades que ainda não entendemos. É um problema tão complexo que precisa ser atacado de todos os ângulos", disse o pesquisador.

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