Genoma de bebê do Alasca revela que povo desconhecido chegou à América na Era do Gelo

Análise de DNA de menina que morreu seis semanas após o nascimento há mais de 11 mil anos indica que habitantes do local não tinham conexões com indígenas que se dispersaram pelo continente; nova população foi batizada de 'antigos beringianos'

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Por Fabio de Castro
Atualização:

A análise do DNA de um bebê que viveu há 11,5 mil anos no Alasca revelou a existência de uma antiga população da América do Norte que até agora permanecia desconhecida. De acordo com os autores do estudo, publicado nesta quarta-feira, 3, na revista Nature, a descoberta levará a uma importante mudança nas teorias sobre como os humanos povoaram o continente americano.

A nova população foi batizada pelos cientistas de "antigos beringianos", em alusão à Beríngia - a ponte terrestre coberta de gelo que, durante as glaciações, ligava o leste da Sibéria ao oeste do Alasca, onde hoje fica o estreito de Bering, que separa a Ásia da América do Norte.

Arqueólogos e técnicos trabalham no sítio deUpward Sun River, no Alasca, onde foram encontrados em 2013 os fósseis de duas meninas com 11,5 mil anos; análise do DNA mostra que elas faziam parte de um povo do qual não resta nenhum vestígio no resto das Américas. Foto: Ben Potter

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"Nós não sabíamos que essa população existia. Esses dados também fornecem a primeira evidência direta da origem da população nativa americana, o que traz novas informações sobre como esses povos primitivos migraram e colonizaram a América do Norte", disse um dos autores principais do estudo, Ben Potter, da Universidade do Alasca em Fairbanks.

 De acordo com a análise genética e a modelagem demográfica feita pelos cientistas, um único grupo - que foi ancestral de todos os povos nativos das Américas - separou-se dos grupos asiáticos há cerca de 35 mil anos. Há cerca de 20 mil anos, esse grupo se dividiu novamente, dando origem aos antigos beringianos e aos ancestrais de todos os outros povos americanos.

O bebê fossilizado, uma menina que morreu seis semanas após o nascimento, foi batizado pela comunidade indígena local de "Xach'itee'aanenh T'eede Gaay", que significa "menina do sol nascente". Ela foi encontrada em 2013, no sítio arqueológico de Upward Sun River, junto a uma outra menina mais nova, que foi batizada de "Ye'kaanenh T'eede Gaay", ou "menina da luz do amanhecer".

Reconstrução artística de como seria a região de Upward Sun River há 11,5 mil anos, quando era habitada pelos antigos beringianos;para os cientistas, esse povo permaneceu no extremo norte do continente por milhares de anos, até seu desaparecimento, enquanto os ancestrais dos povos indígenas das Américas se espalharam por todo o continente. Foto: Eric S. Carlson / Ben Potter

"Seria difícil exagerar a importância da descoberta desse novo povo para o nosso conhecimento sobre como as antigas populações vieram habitar as Américas. Essa nova informação nos permite desenhar um quadro muito mais preciso da pré-história dos nativos americanos - que é muito mais complexa do que pensávamos", afirmou Potter.

A descoberta também sugere dois novos cenários para o povoamento das Américas. Em um deles, um só grupo teria cruzado a ponte terrestre há cerca de 20 mil anos e então teria se dividido entre os antigos beringianos e os demais nativos americanos. O primeiro grupo teria permanecido no extremo norte do continente até o seu completo desaparecimento. O segundo grupo, após a retração das geleiras, teria migrado para o sul há 15,7 mil anos.

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No outro cenário, dois grupos distintos de pessoas teriam cruzado a Beríngia. Os antigos beringianos teriam então se estabelecido ao norte, enquanto os ancestrais de todos os indígenas teriam migrado para o sul há 15,7 mil anos.

Para Potter, o segundo cenário é mais plausível, porque para que houvesse uma só onda migratória a passagem pela Beríngia teria de ocorrer muito antes da divisão das duas populações. "O fundamento para esse cenário da migração de dois povos distintos é bastante forte. Não temos evidências de humanos na região da Beríngia há 20 mil anos"

Arqueólogos e técnicos trabalham no sítio deUpward Sun River, no Alasca, onde foram encontrados em 2013 os fósseis de duas meninas com 11,5 mil anos; para os autores do estudo, a descoberta mudará as teorias sobre como os humanos povoaram o continente americano. Foto: Ben Potter

Segundo Potter, quando sua equipe começou a análise do material genético, esperava-se encontrar a conexão entre o perfil genômico dos fósseis encontrados no Alasca e o de outros povos nativos da América do Norte. Porém, o DNA dos fósseis não combinava com o de nenhuma outra população antiga.

Isso sugere, de acordo com o cientista, que os antigos beringianos permaneceram no extremo norte do continente por milhares de anos, enquanto os ancestrais dos povos indígenas se espalharam por todo o continente. 

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Travessia pelo litoral. Um dos autores do novo estudo, Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague (Dinamarca), havia publicado em 2016 uma outra pesquisa que desmontava uma das principais teorias sobre a migração da Sibéria para o Alasca, que seria uma migração por terra pela Beríngia. Naquele trabalho, também publicado na Nature Willerslev mostrou que o corredor que tornaria o caminho possível entre as geleiras, formou-se há 15 mil anos, mas só oferecia condições para a travessia há 12,6 mil anos. A presença humana no continente, porém, é confirmada por vestígios fósseis há pelo menos 13 mil anos.

De acordo Willerslev a hipótese mais plausível é que os povos da Ásia tenham migrado para a América viajando ao longo da costa do Oceano Pacífico - pela orla, ou por mar - o que poderia ter ocorrido há mais de 15 mil anos.

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