Hidrogênio encontrado em lua de Saturno poderia dar suporte a vida de micróbios

Nasa anunciou nesta quinta-feira que a Sonda Cassini detectou, nos vapores d'água emanados de fissuras na superfície da lua Encélado, moléculas de hidrogênio que poderiam fornecer energia para organismos vivos

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Por Giovana Girardi
Atualização:
Pluma formada em uma das luas de Saturno, a Encélado, por jatos de vapor d'água provenientes de oceano global localizado sob a superfície congelada do satélite. Pesquisadores da Nasa anunciaram ter encontrado molécula de hidrogênio na pluma, que poderia dar suporte para a existência de micróbios Foto: NASA/JPL/Space Science Institute

A busca por vida fora do planeta Terra ganhou um emocionante capítulo. A agência espacial norte-americana (Nasa) anunciou nesta quinta-feira, 13, que a sonda espacial Cassini, que há 12 anos orbita o planeta Saturno e suas luas, encontrou moléculas de hidrogênio na pequenina lua Encélado, um indicativo de que o oceano global que existe sob a crosta de gelo do satélite poderia ser capaz de abrigar vida, ao menos no formato de micróbios.

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No final de 2015, Cassini já tinha mostrado que Encélado tem fissuras em sua superfície, verdadeiros gêiseres dos quais emanam jatos de vapor d’água que formam uma pluma na região polar sul do satélite. Na ocasião, a sonda deu seu último rasante sobre a região. Desse mergulho profundo na pluma, sabe-se agora, instrumentos na sonda detectaram a presença de hidrogênio molecular (H2). A descoberta foi anunciada em coletiva de imprensa na Nasa e também em artigo publicado na revista Science.

Com base nesses dados, foram feitas várias suposições. De acordo com os pesquisadores que assinam o trabalho, liderados por J. Hunter Waite, do Instituto de Pesquisa do Sudoeste, nos Estados Unidos, a única fonte possível desse hidrogênio seriam reações hidrotermais entre a água de um oceano global que fica sob a superfície de gelo da lua com uma camada de rocha quente abaixo dele, no núcleo do satélite.

Indicadores da existência desse oceano já tinham sido fornecidos em outros sobrevoos da Cassini. E supunha-se, como sugerido em estudo publicado em 2015, que ele estava em movimento, com a água interagindo com o núcleo de rocha porque grãos de nanosílica haviam sido detectados pela sonda.

Imagem feita pela sonda Cassini do pólo sul da lua Encélado, de Saturno, e as ranhuras das quais saem dos gêiseres de vapor d'água. Foto: NASA/JPL/Space Science Institute

Como na Terra. A nova descoberta traz novas evidências de que devem existir ali sistemas hidrotermais ativos e que a rocha estaria reagindo quimicamente com a água e produzindo hidrogênio. Isso é importante porque na Terra esse mesmo processo é o que fornece energia para ecossistemas inteiros que vivem no entorno de fontes hidrotermais no fundo do mar, conhecidas como fumarolas.

Na coletiva, Linda Spilker, cientista de projeto da Cassini, explicou que o hidrogênio encontrado poderia ser uma fonte de energia para micróbios. Nenhum organismo vivo foi encontrado, porém. Cassini não tem instrumentos que poderiam detectar isso. “Mas ela detectou um oceano em atividade. É o mais longe que poderíamos chegar com a sonda”, disse.

“Isso é o mais perto que chegamos, até agora, de identificar um lugar com alguns dos ingredientes necessários para um ambiente habitável”, complementou Thomas Zurbuchen, administrador associado de ciência da Nasa no quartel-general de Washington.

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Para existir vida como conhecemos são necessários alguns ingredientes básicos: água líquida (que existe debaixo da superfície gelada da lua, como apontam os vapores d’água), uma fonte de energia para o metabolismo dos organismos (o processo hidrotermal produzindo hidrogênio cumpriria esse papel) e compostos químicos, principalmente carbono, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre, além de hidrogênio.

A temperatura sempre foi considerada fator fundamental, então não era de se esperar que essa lua congelada, tão longe do Sol, poderia ser candidata a ter alguma forma de vida. Mas as descobertas apontam que Encélado tem esse potencial. 

Cassini detectou que o hidrogênio no satélite de só 504 quilômetros de diâmetro é abundante - entre 0,4% e 1,4% do conteúdo da pluma é H2. E também registrou CO2 (dióxido de carbono), numa concentração de 0,3% a 0,8%. Este é outro fator importante da descoberta, pois hidrogênio combinado com carbono pode gerar metano (CH4), em um processo conhecido como metanogênese. 

Alguns dos organismos mais antigos na Terra, que vivem nas profundezas dos nossos oceanos, onde não chega luz do Sol e a temperatura é gélida, fazem exatamente isso: obtém energia usando H2 para produzir CH4 a partir do CO2.

Sonda Cassini Foto: Infográficos Estadão

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Loja de doces. Para reforçar a empolgação dos cientistas, até mesmo um pouco de metano também foi detectado na pluma. Não significa que haja vida produzindo o gás, outros processos não biológicos também podem gerar metano, mas é tentador pensar que os indícios de habitabilidade estão todos ali. 

“Apesar de não termos detectado vida, nós descobrimos que há fonte de alimento para isso. Seria como uma loja de doces para os micróbios”, comentou Hunter Waite. Mas não será Cassini que vai descobrir se há vida ali. Após 13 anos, sua jornada será encerrada em setembro, quando ela se chocará com a atmosfera de Saturno.

Mundos com água

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A busca por sinais de vida fora da Terra sempre teve como primeiro passo encontrar indicadores da presença de água. No Sistema Solar, ao longo dos últimos anos, a Nasa e outras agências espaciais fizeram vários anúncios sobre água e, mais recentemente, sobre o que a agência chama de “mundos oceânicos”. 

Vênus Bilhões de anos atrás, Vênus pode ter sido nosso primeiro mundo oceânico. Falta ao planeta vizinho, porém, algo que é importante para a Terra: nosso forte campo magnético, que ajuda a proteger a atmosfera. Sem isso, o efeito estufa no Vênus elevou as temperaturas o suficiente para ferver a água, que escapou para o espaço por causa do vento solar.

Marte Marte já foi muito mais parecido com a Terra, com uma atmosfera espessa, água abundante e oceanos globais. Há bilhões de anos, Marte perdeu seu campo magnético global protetor, deixando-o vulnerável aos efeitos do Sol. Estima-se que o planeta perdeu 87% da água que tinha. O que sobrou é no formato de gelo nas calotas polares ou preso sob o solo. Há ainda uma pequena quantidade de lama.

Júpiter No final dos anos 1990, a sonda Galileo apontou que a lua Europa abriga um oceano de água líquida. Nesta quinta, cientistas da Nasa anunciaram que imagens do telescópio Hubble indicam que o satélite, assim como ocorre com a lua Encélado de Saturno, também tem plumas de água sendo esguichadas para o espaço.

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