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Hominídeo da África do Sul é muito mais novo do que se pensava

Cientistas se surpreendem com datação de 'Homo naledi', descoberto em 2013; fósseis têm cerca de 280 mil anos, dez vezes menos que o estimado com base em seus traços primitivos

Por Fabio de Castro
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SÃO PAULO - Depois de muita dificuldade, um grupo de cientistas finalmente realizou a datação de fósseis do Homo naledi, uma espécie extinta do gênero Homo, linhagem que culminou com o aparecimento dos humanos modernos. O resultado foi surpreendente: os fósseis têm entre 335 mil e 236 mil anos e, portanto, são pelo menos 2 milhões de anos mais novos do que indicavam as estimativas anteriores dos pesquisadores.

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Em 2013, os fósseis do Homo naledi - mais de 1550 fragmentos de 15 indivíduos - foram descobertos na caverna Rising Star, na África do Sul. Em agosto de 2015, cientistas os descreveram pela primeira vez. 

Obter a datação dos espécimes era uma tarefa extremamente difícil, mas, por conta de diveras características primitivas, os pesquisadores acreditavam que eles haviam vivido há cerca de 2,5 milhões de anos - um período intermediário entre os últimos Australopithecus e os mais antigos membros do gênero Homo, como o Homo habilis.

Agora, em um novo estudo publicado nesta terça-feira, 9, na revista científica eLife, os pesquisadores finalmente revelaram que os espécimes de Homo naledi descobertos na caverna viveram há no máximo 335 mil anos atrás.

Segundo os autores, isso coloca o hominídeo - que pode ter sido extinto bem mais tarde - como provável contemporâneo do Homo sapiens, que surgiu há cerca de 200 mil anos. 

De acordo com os pesquisadores, é a primeira vez que se tem evidências de que uma outra espécie de hominídeo conviveu lado a lado com os humanos na África, onde surgiu o gênero. O Homo neanderthalensis chegou a conviver com o Homo sapiens, mas bem mais tarde, na Europa e na Ásia ocidental.

Crânio de Neo, um dos três esqueletos de 'Homo naledi' encontrados na Câmara Lesedi, uma nova galeria descoberta na caverna Rising Star, na África do Sul Foto: Wits University/John Hawks

Além de descrever a difícil tarefa de datação dos fósseis, o estudo revela que a caverna Rising Star é na realidade um sistema de cavernas maior do que se pensava - e que ali foi descoberta uma nova galeria com mais os fósseis de três novos indivíduos da espécie Homo naledi - um deles de uma criança.

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Um dos fósseis de adultos encontrados na nova câmara da caverna - batizado de Neo - está excepcionalmente completo, de acordo com os autores do estudo, que foram liderados pelo antropólogo John Hawks, da Universidade de Wisconsin-Madison (Estados Unidos) e pelo paleoantropólogo Lee Berger, da Univesidade Witwatersrand (África do Sul).

A nova galeria foi batizada de Câmara Lesedi e fica a cerca de 100 metros da Câmara Dinaledi, onde haviam sido encontrados os fósseis de 15 indivíduos em 2013. O acesso à nova câmara é extremamente difícil: para escavá-la, os paleontólogos precisaram rastejar, escalar e se espremer em túneis claustrofóbicos e escuros.

Segundo Hawks, o fato de ter encontrado mais indivíduos em uma câmara de difícil acesso leva a crer que o Homo naledi tenha escondido seus mortos - um comportamento surpreendente que sugere grande inteligência e, possivelmente, indica as primeiras centelhas de uma cultura.

"Isso provavelmente dá mais peso à hipótese de que o Homo naledi usava locais escuros e remotos para esconder seus mortos. As chances de algo semelhante ter ocorrido mais de uma vez por acaso são mínimas", disse Hawks.

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De acordo com o estudo, estima-se que a criança encontrada entre os três novos espécimes de Homo naledi tenha morrido com menos de cinco anos de idade. Ela é representada por ossos da cabeça e do corpo. Um dos adultos foi identificado apenas por uma mandíbula e pelos ossos das pernas.

O esqueleto do terceiro indivíduo, apelidado de Neo ("dádiva", no idioma Sesotho), é notavelmente completo. O crânio foi totalmente reconstruído, fornecendo um retrato muito mais completo da espécie, segundo os pesquisadores.

"O esqueleto de Neo é um dos mais completos descobertos até hoje. Tecnicamente, é mais completo que a famosa Lucy (fóssil de Australopithecus afarensis, que viveu há 3,1 milhões de anos e foi desenterrada na Etiópia em 1974), considerando a preservação do crânio e da mandíbula", disse Berger.

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O crânio do novo esqueleto contém a maior parte da face, incluindo os delicados ossos da região interna dos olhos e do nariz, segundo Hawks, que é especialista em hominídeos primitivos.

"Alguns dos novos ossos adicionam detalhes novos em relação a tudo o que já vimos antes. O esqueleto de Neo tem uma clavícula completa e um fêmur quase completo. Isso ajuda a confirmar o que sabíamos sobre o tamanho e a estatura do Homo naledi: que ele caminhava de forma tão eficiente como subia em árvores. As vértebras estão maravilhosamente preservadas e são singulares - elas têm um formato que só havíamos encontrado em Neanderthais", explicou Hawks.

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Combinados, os esqueletos do Homo naledi dão à ciência o registro mais completo até hoje de uma espécie de hominídeo, excetuando-se o Homo sapiens e o Homo neanderthalensis.

"Com os novos fósseis da Câmara Lesedi, agora temos cerca de 2 mil fragmentos do Homo naledi, representando os esqueletos de pelo menos 18 indivíduos, no total. Há mais espécimes de Homo naledi do que de qualquer outra espécie extinta de hominídeos, exceto os Neanderthais", afirmou Hawks.

A ideia de que o Homo naledi escondia os cadáveres de seus mortos em câmaras subterrâneas de difícil acesso só tem paralelo entre os Neanderthais, segundo o cientista. Em uma caverna profunda da Espanha, conhecida como Sima de los Huesos, há evidências de que, há 400 mil anos, os Neanderthais escondiam os corpos de seus companheiros mortos.

"O que há de mais provocativo em relação ao Homo naledi é que os cérebros dessas criaturas tinham um terço do tamanho dos nossos. Eles claramente não são humanos, embora pareçam compartilhar um aspecto muito profundo do nosso comportamento, que é um cuidado com outros indivíduos, que continua a após a morte deles. Parece-me que estamos começando a ver as raízes mais profundas das práticas culturais humanas", afirmou Hawks.

Acesso complicado. Membro da equipe que descobriu os primeiros fósseis do Homo naledi na caverna Rising Star, a paleoantropóloga canadanse Marina Elliott, da Univesidade Witwatersrand,fez parte também da equipe de exploradores que descobriu a Câmara Lesedi.

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"Acessar a Câmara Lesedi é ainda ligeiramente mais fácil que chegar à Câmara Dinaledi. Depois de se espremer por uma passagem de cerca de 25 centímetros, você tem que subir e descer por passagens verticais antes de chegar à câmara. Embora o acesso seja um pouco mais fácil, trabalhar na Câmara Lesedi é mais difícil, por causa dos apertados espaços ali dentro", contou Marina.

Para Hawks, dizer que entrar na Câmara Lesedi é "um pouco mais fácil" que penetrar na Câmara Dinaledi é algo muito relativo. Segundo ele, Lee Berger ficou preso na Câmara Lesedi em 2014 e precisou ser puxado para fora com cordas atadas a seus pulsos. 

"Eu nunca entrei em nenhuma das duas câmaras - e nem vou entrar. Eu assisti quando Lee ficou entalado na passagem por quase uma hora, tentando sair de um estreito gargalo subterrâneo na Câmara Lesedi", contou Hawks. 

Datação difícil. Além da dificuldade para trabalhar nas cavernas, os cientistas tiveram que superar grandes desafios para fazer a datação dos espécimes ali encontrados. A equipe utilizou uma combinação de técnicas de datação por luminescência opticamente estimulada com Urânio e Tório, com técnicas de análise paleomagnética para estabelecer como os sedimentos se relacionam à escala temporal geológica na Câmara Dinaledi.

Para conseguir uma avaliação final, eles realizaram a datação direta dos dentes do Homo naledi, utilizando uma combinação de datação por séries radioativas de urânio (U-series) e datação por ressonância de spin eletrônico (ESR).

"É claro que ficamos surpresos com uma datação tão recente, mas nós percebemos que todas as formações geológicas na câmara eram novas. Os resultados de U-series e de ESR acabaram sendo menos surpreendentes no fim do trabalho", contou Eric Roberts, da Universidade James Cook (Austrália) e da Universidade Witwatersrand, um dos poucos geólogos que já entraram na Câmara Dinaledi - a rampa de entrada tem uma passagem de apenas 18 centímetros de largura.

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