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Imunização em série pode ser caminho para vacina contra HIV

Estudos mostram, em camundongos, que é possível produzir em laboratório 'superanticorpos' encontrados em alguns infectados

Por Fabio de Castro
Atualização:
Cientistas querem desenvolver vacina para que corpo produza anticorpos contra o HIV Foto: Reuters

Cientistas de três grupos independentes publicaram nesta quinta-feira, 18, estudos que provam ser possível, com uma série sucessiva de vacinas, gerar potentes anticorpos capazes de neutralizar o vírus HIV em camundongos. Os três estudos se inspiram na estratégia utilizada pelo organismo de um pequeno grupo de pessoas que produz, naturalmente, anticorpos capazes de bloquear o vírus. 

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De acordo com os autores das pesquisas, os resultados sugerem que logo poderão ser iniciados testes clínicos em humanos para a produção de uma possível vacina a partir desse tipo de abordagem.

Uma das principais dificuldades para o desenvolvimento de vacinas contra a aids tem sido a capacidade que tem o vírus de passar por mutações, assim que entra no corpo do hospedeiro. 

Cientistas têm tentado desenvolver, nos últimos 25 anos, uma vacina que faça o corpo da pessoa infectada produzir anticorpos capazes de protegê-la de diferentes versões do vírus, mas todos os testes clínicos e pré-clínicos falharam. Nos últimos anos, porém, foi observado que uma pequena fração de pessoas com o HIV desenvolve naturalmente anticorpos potentes contra diversas variantes do vírus - os chamados anticorpos amplamente neutralizantes (bnAbs, na sigla em inglês).

Agora, um estudo publicado na revista Cell e dois outros na revista Science, demonstram que é possível gerar esse tipo de anticorpos a partir de uma sucessão de imunizações. Com essa estratégia, os camundongos usados no estudo não adquiriram o HIV. Segundo os autores dos estudos, o próximo passo é testar se a nova abordagem de imunização oferece proteção a macacos e humanos.

Os resultados dos estudos sugerem, de acordo com os autores, que as estratégias que usam bnAbs provavelmente nunca funcionarão com uma imunização única, mas concluíram que uma sequência de imunizações pode ser a rota mais promissora para uma vacina efetiva contra o HIV.

"Enquanto o HIV passa por mutações no paciente, o sistema imunológico se adapta continuamente. Em alguns pacientes, esse processo produz bnAbs, que normalmente são anticorpos capazes de neutralizar uma ampla gama de variantes do HIV. Esses são os anticorpos que queremos tentar usar para extrair uma vacina", disse uma das autoras do estudo, Pia Dosenovic, do Laboratório de Imunologia Molecular, dirigido por Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller, em Nova York (Estados Unidos).

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Segundo a pesquisadora, o experimento sugere que, ao estimular a resposta imune com imunizações adaptadas a cada estágio específico da ação do vírus, pode ser possível imitar artificialmente o processo natural de produção de bnAbs.

Os cientistas explicam, no estudo, que o HIV sofre mutações contínuas, dificultando a tarefa dos anticorpos - proteínas do sistema imunológico que reconhecem as moléculas "alienígenas", chamadas de antígenos. Mas uma parte do vírus não sofre mutações: a região onde fica a proteína que ele usa para atacar as células. Essa parte do vírus não pode se modificar porque sem ela o HIV não seria capaz de aderir às células e infectá-las. Por isso, essa região do vírus é uma parte fundamental do antígeno que deve ser alvo dos anticorpos amplamente neutralizantes.

Nos pacientes que desenvolvem naturalmente os bnAbs, esses anticorpos são produzidos pelas células B do sistema imunológico. Essas células passam por várias rodadas de mutações para refinar a capacidade dos anticorpos para buscar um antígeno específico com precisão. Quando comparados aos anticorpos contra outras doenças, como a gripe, os bnAbs se diferenciam por sua capacidade de mutação. Os três estudos fazem uma espécie de "engenharia reversa" do processo de maturação das células B, para torná-las capazes de produzir anticorpos amplamente neutralizantes.

Na tentativa de mimetizar a produção natural de bnAbs, os cientistas da Universidade Rockefeller, no estudo publicado na Cell, concluíram que é possível produzir esses potentes e abrangentes anticorpos em um processo de duas etapas - uma no início da reação do sistema imunológico e outra em fase mais adiantada do processo. A formulação da primeira imunização foi especialmente desenhada para ativar as células que produzem anticorpos contra o HIV. A segunda imunização foi desenhada para interagir com células B, provocando nelas uma mutação - com isso ela produz anticorpos capazes de se ligar à externa do vírus, neutralizando-o. 

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Segundo os cientistas, no primeiro estágio o antígeno ativou a produção de células B e, com isso, elas se proliferaram produzindo anticorpos, em um primeiro passo para gerar os bnAbs. No segundo estágio, o antígeno induz essas células a produzir anticorpos capazes de neutralizar diferentes linhagens do HIV.

"O primeiro antígeno possibilitou o início da resposta do sistema imune dos camundongos, enquanto o segundo ativou a 'sintonia fina' dos anticorpos", disse Lotta von Boehmer, outra co-autora do estudo da Cell.

Nos estudos publicados na Science, os pesquisadores que produziram os antígenos utilizados no estudo da Cell os testaram individualmente para o potencial uso em vacinas. Em um deles, coordenado por David Nemazee, do Instituto de Pesquisa Scripps (Estados Unidos), os cientistas descobriram que é possível induzir a produção de "precursores" dos anticorpos com alguns traços necessários para reconhecer e bloquear a infecção do HIV. Como no estudo da Cell, esse trabalho sugere que antígenos modificados podem ser bons candidatos como uma primeira etapa de uma série de imunizações contra o HIV. 

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No outro estudo da Science, coordenado por John Moore, da Universidade Cornell (Estados Unidos), os cientistas descrevem o uso de antígenos naturais que produzem potentes anticorpos neutralizantes em linhagens específicas do vírus.

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