SÃO PAULO - A seleção brasileira não tem mais Ronaldo. Mas o Brasil terá um outro "fenômeno" em campo na abertura desta Copa do Mundo. Mestre em driblar adversários, emplacar projetos espetaculares, atrair patrocinadores e levantar torcidas, Miguel Nicolelis é o cientista mais famoso do Brasil. Um raro exemplo - único no País - de um pesquisador que extrapolou os limites do laboratório para se transformar numa verdadeira celebridade popular, adorada pelas massas.
Suas páginas no Facebook e no Twitter têm mais de 28 mil e 25 mil seguidores, respectivamente. Pouco, se comparado a um astro da música ou das telenovelas, mas impressionante para um cientista. E sua audiência cresce diariamente.
Qualquer postagem sua no Facebook, mesmo que seja uma simples contagem regressiva para a abertura da Copa, atrai centenas de "likes", acompanhados de comentários emocionados de agradecimento e admiração que conferem a Nicolelis uma aura com contornos de messias científico.
"Tanto os indivíduos que anseiam pela cura e reabilitação própria ou de seus familiares, quanto os pesquisadores e seus auxiliares, são verdadeiros devotos da ciência", diz o sociólogo André Ricardo de Souza, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em artigo escrito para o Estado. Uma simbologia reforçada pelo ato de fazer um paraplégico "voltar a andar", justamente na abertura de um torneio de futebol - esporte que também é adorado de forma quase que religiosa por milhões de pessoas mundo afora.
Duas paixões. A paixão simultânea pela ciência e pelo futebol, aliás, é uma das características mais marcantes de Nicolelis, que ajuda a colocá-lo mais próximo do público do que qualquer outro cientista brasileiro.
Paulistano, nascido no tradicional bairro italiano do Bexiga, em 1961, Nicolelis é torcedor fanático do Palmeiras. Narra todos os jogos do clube pelo Twitter, lance a lance, gritando gol, falando mal do juiz, questionando impedimentos e pedindo substituições em campo como qualquer torcedor. A página de seu laboratório na Universidade Duke é decorada com o escudo do time; e na foto de seu perfil no Twitter, veste a camisa da seleção brasileira. Um perfil atípico entre os cientistas, que normalmente interagem pouco com o público - e quando o fazem, costumam falar apenas de ciência.
"Ele sabe dialogar com o público", diz o sociólogo e presidente da Finep, Glauco Arbix. Também contribui para sua popularidade, segundo ele, o fato de Nicolelis trabalhar com um problema "concreto, cruel e que incomoda muita gente", que é a paralisia. Ninguém precisa entender de ciência para aplaudir e se emocionar com a cena de um paraplégico levantando da cadeira de rodas, vestindo um robô controlado pelo cérebro. Diferentemente de outras áreas da biomedicina, igualmente importantes, mas cujos resultados tomam a forma de pílulas ou de células, por exemplo, que só podem ser vistas por um microscópio.
O patriotismo explícito, evidenciado pelas bandeiras e camisas verde-e-amarelas, são outra marca registrada de Nicolelis, assim como a admiração pelo brasileiro Alberto Santos Dumont, que dá nome ao exoesqueleto que será demonstrado na Copa (protótipo BRA-Santos Dumont 1) e à organização social pela qual Nicolelis gerencia o projeto Andar de Novo e o seu instituto de neurociências de Natal - a Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP).
Formado em Medicina e Fisiologia pela Universidade de São Paulo (USP), Nicolelis deixou o Brasil em 1989 para um pós-doutorado na Universidade Hahnemann, na Filadélfia, e na sequência foi contratado pela Universidade Duke, na Carolina do Norte, onde permanece até hoje, como professor e pesquisador.
Entre 1999 e 2000, deu o pontapé inicial na área de interface cérebro-máquina, com a publicação de dois trabalhos pioneiros que mostraram, pela primeira vez, a capacidade de controlar aparatos robóticos por meio de comandos cerebrais. O primeiro estudo foi feito com ratos e o segundo, com uma macaca. Os resultados deram fama internacional a Nicolelis e garantiram ao seu laboratório um fluxo generoso de recursos oriundos das principais agências de fomento dos Estados Unidos, como os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Defesa (Darpa), do Pentágono.
Várias outros trabalhos de impacto se seguiram, assim como críticas relacionadas à maneira midiática e por vezes megalomaníaca com que Nicolelis costuma divulgar seus projetos. Sua decisão de colocar um paraplégico para dar um chute na abertura da Copa do Mundo, com apenas um ano e meio para se preparar, e sem nunca ter tentado isso antes, mostra que ele não está dando muita bola para isso.
Esperança. "Espero que esse marketing todo dele seja verdadeiro", disse ao Estado a deputada federal Mara Gabrilli, tetraplégica há quase 20 anos, por conta de um acidente de carro. "Estou torcendo muito para que dê certo."