PUBLICIDADE

Parlamentares do Reino Unido aprovam reprodução assistida com genes de 3 pessoas

Técnica impede que mães transmitam aos filhos doenças associadas às mitocôndrias; se for aprovada, Reino Unido será o primeiro país a permitir embriões geneticamente modificados

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabio de Castro e Fabiana Cambricoli
Atualização:

Atualizado às 21h39

PUBLICIDADE

SÃO PAULO - Uma lei aprovada nesta terça-feira, 3, pela Câmara dos Comuns, do Reino Unido, poderá autorizar naquele país a reprodução assistida com o uso de material genético de três pessoas.

A técnica, que ficou conhecida na imprensa britânica como “bebê de três pais”, tem o objetivo de impedir que mães transmitam a seus filhos doenças genéticas associadas às mitocôndrias - pequenas estruturas do plasma das células (citoplasma) que têm a função de produzir energia. As doenças mitocondriais estão geralmente associadas a quadros neurodegenerativos.

Discutida no parlamento britânico desde 2008, a lei foi aprovada com 382 votos a favor e 128 contra. Agora, a proposta será enviada à Câmara dos Lordes.

Além do código genético contido no núcleo da célula, em forma de cromossomos, as mitocôndrias têm também seu próprio DNA. As doenças do DNA mitocondrial, por se encontrarem no óvulo da mãe, são transmitidas para o bebê. A técnica, desenvolvida por cientistas da Universidade de Newcastle (Reino Unido), permite que as clínicas de reprodução assistida do país extraiam o núcleo saudável da célula da mãe - com o DNA que transmite as características hereditárias -, descartando o óvulo com DNA mitocondrial defeituoso.

O núcleo então é inserido no óvulo saudável de uma doadora, fertilizado in vitro e reimplantado na mãe. Com isso, a criança herda as características genéticas do pai e da mãe, mas não a doença mitocondrial. 

De acordo com a geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano, da USP, a aprovação da técnica é uma excelente notícia. “Sou totalmente a favor dessa tecnologia. Acho muito importante que uma mulher com doença mitocondrial tenha a possibilidade de ter filhos sem transmitir a eles a doença. E a única maneira é essa, já que as mitocôndrias estão presentes nos óvulos”, disse a pesquisadora.

Publicidade

De acordo com Mayana, embora seja conceitualmente simples, a técnica não é trivial, porque envolve um processo muito delicado. “É necessário ter uma técnica muito boa para manipular os óvulos de forma precisa”, declarou.

O voto na Câmara dos Comuns foi de 382 a favor contra 128 Foto: AP

Presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, Mario Cavagna diz que o método deve ser visto com cautela, já que existem poucos estudos feitos com humanos. “Não há um número suficiente de casos estudados para se verificar a eficácia da técnica e a segurança. É uma técnica experimental.”

O especialista explica ainda que a transferência da mitocôndria não é garantia de que o bebê não desenvolva uma doença familiar mitocondrial. “Há doenças neurodegenerativas com múltiplas causas ou de origem desconhecida. Não há garantia que a técnica evitaria o problema em todos os casos.”

Polêmica. Apesar de despertar um debate religioso no Reino Unido, a técnica, segundo especialistas, não abre espaço para nenhum tipo de questionamento ético. “Dizer que a criança terá duas mães e um pai é uma bobagem. Trata-se de uma técnica de transferência do núcleo - e praticamente todo o DNA está no núcleo. O DNA mitocondrial é muito importante como produtor de energia para as células, mas é praticamente irrelevante em termos de transmissão de características para a criança”, declarou Mayana.

PUBLICIDADE

Contrária ao uso de células-tronco embrionárias para pesquisa, Alice Teixeira Ferreira, do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também é favorável à técnica. “Isso é uma tentativa de terapia gênica, eliminando as doenças congênitas sérias, ao eliminar mitocôndrias doentes. Não vejo problema ético nenhum”, disse. “A criança não teria duas mães, acho isso uma bobagem. Quem é a dona do núcleo é a mãe.”

As Igrejas Anglicana e Católica se pronunciaram contra o uso da técnica, apesar de não haver a necessidade de modificação genética do embrião - a transferência da mitocôndria é feita antes da introdução do espermatozoide, portanto, antes da formação do zigoto.

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Arquidiocese de São Paulo não se pronunciaram.

Publicidade

Clandestino. A técnica de transferência de citoplasma e mitocôndrias entre óvulos durante processo de reprodução assistida chegou a ser usada de forma clandestina em clínicas brasileiras, sobretudo na década de 1990.

Segundo Mario Cavagna, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, o método era usado para “rejuvenescer” óvulos de mulheres mais velhas. “Injetava-se um pouco do citoplasma de uma mulher mais jovem no óvulo da paciente com mais de 40 anos com o objetivo de aumentar as chances de sucesso da fertilização, mas isso nunca teve eficácia comprovada”, afirma ele.

Membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do Conselho Federal de Medicina (CFM), Adelino Amaral explica que a prática não é reconhecida no País por tratar-se de método experimental.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.