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Três tecidos tecnológicos

'As roupas permitiram nossa expansão pelo mundo subtropical'

Por Fernando Reinach
Atualização:

Nosso corpo foi selecionado para vivermos pelados na África tropical. Mas gostamos de novidade e saímos da África para tentar a sorte nos climas frios da Europa e Ásia. Se fôssemos como qualquer outro animal, seriam milhares de anos de seleção natural para ficarmos peludos e resistentes ao frio. Mas somos espertos, criamos as roupas. Elas permitiram nossa expansão pelo mundo subtropical. 

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As primeiras eram feitas de peles de animais. Depois vieram os tecidos de fibras vegetais e hoje adoramos algodão. Mas as roupas nos tornaram pudicos. Hoje sempre usamos roupas, quer estejamos com frio ou calor. O resultado é que 12% da energia produzida nos EUA é usada para resfriar prédios e casas cheias de pessoas com roupas ou esquentar prédios e casas com pessoas mal agasalhadas. É um problema, pois produzir essa energia aumenta o gás carbônico na atmosfera e o aquecimento global.

Diminuir o gasto com aquecimento é relativamente fácil, basta diminuir a temperatura dos edifícios e encorajar as pessoas a se agasalhar um pouco melhor. Mas diminuir o gasto com refrigeração (ar-condicionado) é mais difícil. Ninguém quer andar pelado por aí. Lembrem-se, somos animais pudicos.

Pelado, em um ambiente com uma temperatura de 26,6°C, o ser humano se sente confortável. Mas, para sentir o mesmo conforto usando uma camisa e calça leve de algodão, a temperatura do ar tem de estar a 22,6°C. Em locais quentes essa diferença é o custo energético de nosso pudor. Mas será que é possível desenvolver um tecido “mais fresco” que o algodão e que impeça outras pessoas de verem o nosso corpo? 

Gostamos de tecidos feitos com algodão por três motivos. Eles deixam passar o ar (não ficamos malcheirosos e molhados de suor), não deixam passar a luz (preservam nossa intimidade) e são agradáveis ao tato. Mas o algodão tem um problema: por ele não passa o calor emitido por nosso corpo. Metade desse calor é emitida na forma de radiação infravermelha com um comprimento de 9,5 micrômetros. E essa radiação é absorvida pelo algodão. Essa é a razão pela qual pelados nos sentimos mais frescos do que com uma roupa de algodão, e também explica os 4°C a menos necessários para nos fazer sentir pelados vestindo algodão.

Agora os cientistas desenvolveram um tecido que não tem o defeito do algodão e preserva todas as suas qualidades. Começaram com o polietileno. Esse material é um plástico que usamos bastante (garrafas PET). Ele é totalmente transparente à radiação infravermelha emitida pelo nosso corpo, mas tem diversas desvantagens. É transparente, não deixa passar o ar, e é muito pouco agradável no contato com o corpo. É como vestir uma camisa feita de saco plástico.

Mas isso não desanimou os cientistas. Eles resolveram o problema em duas etapas. Primeiro, produziram um plástico com poros (buracos) muito pequenos, entre 50 e 1 mil nanômetros (um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro). O tamanho desses poros foi calibrado cuidadosamente para fazer com que a luz visível fosse totalmente difratada pelos poros, tornando o material opaco. Além de bloquear a luz visível, esses poros estão em número suficiente para permitir a passagem de ar (assim o tecido “respira”) de maneira semelhante ao que ocorre com o algodão.

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Esse novo material, polietileno com nanoporos (nanoPE), tem as vantagens do algodão e não possui o único defeito, que é reter nossa radiação infravermelha. No último passo desse desenvolvimento os cientistas modificaram quimicamente esse material para torná-lo mais agradável ao tato. Pronto. 

Mas você vai dizer, o polietileno é um plástico produzido a partir do petróleo, o vilão do aquecimento global. É verdade, grande parte desse plástico é produzida pela indústria petroquímica, mas no Brasil foi desenvolvida a tecnologia que permite produzir polietileno de álcool de cana-de-açúcar, e essas fábricas já estão em funcionamento. Em breve, você vai entrar numa loja e pedir: Vocês têm camisetas de nanoPE feito de cana? Claro, qual o seu tamanho?

MAIS INFORMAÇÕES: RADIATIVE HUMAN BODY COOLING BY NANOPOROUS POLYETHYLENE TEXTILE. SCIENCE VOL. 353 PAG. 1019 2016

FERNANDO REINACH É BIÓLOGO

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