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Governo ainda não sabe o que fazer com o ESO

Mesmo após aprovação do Congresso, governo diz que entrada do Brasil para o consórcio europeu de pesquisa astronômica está "em estudo". Valor do contrato é de R$ 1 bilhão.

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Por Herton Escobar
Atualização:

Observatório de Paranal, uma das várias instalações do ESO nos Andes chilenos. Foto: ESO/via Wikipedia

Passados três meses do aval do Congresso à entrada do Brasil para o Observatório Europeu do Sul (ESO), o poder Executivo ainda não sancionou o acordo e não há garantia de que isso vá acontecer. Procurado pelo Estado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) limitou-se a dizer que "o decreto legislativo que oficializa a adesão do Brasil à organização está em estudo pelo governo federal".

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A aprovação do Congresso era aguardada há mais de quatro anos pela comunidade astronômica nacional. A maioria acreditava que o aval Legislativo seria a última barreira a ser vencida, e que a promulgação da decisão pelo Executivo seria uma etapa final meramente burocrática a ser seguida. Mas não. O governo evita falar sobre o assunto, e não acena com nenhuma garantia -- mesmo tardia -- de que o acordo, de R$ 1 bilhão, será implementado.

O ESO é a maior organização de pesquisa astronômica do mundo, formada por 15 países europeus: Áustria, Bélgica, República Checa, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido e a Polônia (esta última acaba de entrar para o grupo, na semana passada). O Brasil já participa como "membro interino" desde que o acordo foi originalmente assinado, em dezembro de 2010, mas só se tornará membro efetivo quando o contrato de adesão estiver 100% ratificado. Falta a assinatura da presidente Dilma Rousseff, seguida de publicação no Diário Oficial da União.

O valor do contrato é de EU$ 270 milhões (R$ 1,06 bilhão, pela cotação atual do euro), que deverão ser pagos em várias parcelas até 2021. Isso inclui EU$ 130 milhões de taxa de adesão, mais EU$ 140 milhões em anuidades. Um valor considerado alto demais pelos críticos, apesar de o ESO ter concedido vários descontos ao Brasil.

O MCTI tem R$ 50 milhões reservados em caixa para um primeiro pagamento, mas o dinheiro (oriundo de emenda parlamentar) precisa ser gasto ainda neste ano, ou devolvido.

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CREDIBILIDADE AMEAÇADA

Segundo o presidente da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), Marcos Diaz, a comunidade de pesquisa já começa a ver a adesão como "improvável". "O custo em credibilidade seráirreparável", diz ele. "A imagem do país, especificamente da comunidade científica nacional, ficará manchada por um longo prazo se essa atitude inconcebível do Executivo se confirmar."

A SAB considera a adesão ao ESO essencial para o futuro da astronomia brasileira. "O ESO é o observatório mais produtivo do mundo, seja qual for a métrica usada para medir isso", afirma Diaz. O consórcio é dono de vários observatórios de ponta nos Andes chilenos e planeja construir o maior telescópio de todos os tempos: o Telescópio Extremamente Grande Europeu (E-ELT, na sigla em inglês), com 39 metros de diâmetro -- um projeto de EU$ 1 bilhão.

O status de "membro interino" já dá aos cientistas brasileiros o direito de submeter projetos para utilização dos telescópios existentes -- o que vários pesquisadores têm feito com com sucesso nos últimos anos --, mas o País não tem direito a voto nas reuniões do conselho do ESO e não tem participação garantida no E-ELT.

Ilustração de como será o Telescópio Extremamente Grande Europeu. Crédito: ESO  Foto: Estadão

CONSEQUÊNCIAS DO ATRASO

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O ESO diz que não há um prazo estabelecido para que o Brasil conclua a ratificação. Mas a preocupação existe do lado de lá também. Por causa da demora do Brasil, o consórcio foi obrigado a revisar o plano de construção do E-ELT.

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O consórcio depende da contribuição brasileira para levar o projeto a termo. Para evitar atrasos no cronograma de construção, o plano foi reestruturado em duas fases: Uma primeira fase, que não depende do Brasil; e uma segunda fase, que sem o Brasil poderá não ser completada (a não ser que outro país entre no bolo e tape o buraco brasileiro).

"Se a ratificação do Brasil atrasar demais e nenhuma outra nação se juntar ao ESO, a implementação da fase 2 do E-ELT poderá atrasar", disse ao Estado o diretor-geral do ESO, Tim de Zeeuw. "A indústria brasileira também tem interesse de participar nos estágios iniciais de construção deste imenso projeto."

A Fase 1 já produzirá num telescópio totalmente operacional, mas com alguns componentes a menos do que o previsto. Isso inclui algumas partes do sistema de ótica adaptativa e 210 segmentos do "miolo" do espelho principal, que tem uma estrutura parecida com uma colmeia, formada por 798 segmentos hexagonais. Segundo o ESO, as duas fases "não divergem" até 2017 -- o que pode ser entendido como um deadline para o Brasil definir sua participação.

As obras de preparação do terreno onde o telescópio vai ser construído começaram em junho de 2014, e os contratos para construção das estruturas físicas do observatório (incluindo sua gigantesca cúpula, de 86 metros de diâmetro) estão sendo definidos agora. A indústria brasileira só poderá participar das concorrências se o Brasil ratificar sua adesão a tempo.

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Ilustração de como será o Telescópio Gigante de Magalhães. Crédito: GMT  Foto: Estadão

TELESCÓPIO GIGANTE DE MAGALHÃES

Em paralelo ao processo do E-ELT, o Brasil já tem participação garantida em outro telescópio gigante: o GMT (Telescópio Gigante de Magalhães, na sigla em inglês), com 25 metros de diâmetro, que também será construído nos Andes chilenos, por um consórcio de 11 instituições dos Estados Unidos, Austrália, Coreia do Sul e Brasil. Neste caso, porém, o representante brasileiro é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), não o governo federal. Como se trata de um acordo entre instituições, e não entre nações, o contrato não precisa de aprovação legislativa ou governamental.

A Fapesp vai investir US$ 40 milhões no projeto, o que garantirá aos astrônomos paulistas 4% do tempo de observação do telescópio, previsto para começar a funcionar em 2021. Quem está à frente da iniciativa é o astrônomo João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

"Quatro porcento do GMT parece pouco, mas permitirá darmos um passo gigante", disse Steiner ao Estado. "Quando entramos no Gemini, o Brasil entrou com 2,5%. Hoje temos 6.3%. Isto foi uma estratégia de sucesso", completa ele, referindo-se ao Observatório Gemini, que gerencia dois telescópios gêmeos de 8 metros, um no Hemisfério Norte (Havaí) e outro, no Hemisfério Sul (Chile).

Steiner, que sempre foi crítico da adesão do Brasil ao ESO, diz que a parceria com o GMT é mais interessante para o País. "O GMT é menor e mais barato (do que o E-ELT). Poderá ficar pronto antes dos outros e teremos condições efetivas de utilizá-lo de forma a dar sequência ao nosso desenvolvimento", afirma.

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No lado oposto, Diaz ressalta que apenas pesquisadores paulistas poderão submeter projetos ao GMT (porque a Fapesp não pode financiar projetos de outros Estados), e que o contrato com o ESO permite acesso a uma grande infraestrutura de pesquisa já instalada, e não apenas ao E-ELT. "O ESO é uma opção para agora; o GMT é para o futuro", diz. "Nesse momento de crescimento da comunidade astronômica brasileira, isso é um fator significativo. Temos muita necessidade de acesso a esses recursos que o ESO proporciona."

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