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Imagine só!

O DILEMA DA BALEIA

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Por Herton Escobar
Atualização:

A reunião anual da Comissão Internacional da Baleia (CIB) terminou na semana passada, no Marrocos, sem grandes alterações ao acordo atual que proíbe a caça de baleias, a não ser para fins científicos e em alguns casos excepcionais, em que a caça é considerada uma prática cultural e/ou de subsistência de determinadas culturas.

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Em primeiro lugar, queria deixar claro que sou TOTALMENTE A FAVOR da proteção às baleias, que são animais magníficos e chegaram muito perto de ser extintas algumas décadas atrás. Mas também acho que a caça pode ser permitida, desde que haja mecanismos internacionais adequados de controle e monitoramento para garantir que ela seja feita de forma sustentável, sem risco para as espécies, obedecendo a cotas estabelecidas por meio de critérios científicos confiáveis.

Afinal, se as populações de baleias de fato se recuperaram, como apontam os censos, não haveria razão para proibir a caça sustentável. Ou haveria?

Friamente falando, não. Se uma espécie não está mais ameaçada de extinção e ela faz parte dos hábitos alimentares de uma cultura ou de uma população, fica difícil sustentar uma moratória. Afinal, matamos um monte de outros animais para nos alimentar, tanto selvagens quanto domesticados: vacas, porcos, galinhas, peixes, camarões, polvos, lulas, etc. Então, porque deveria ser diferente com as baleias?

Não deveria, mas não há como negar que as baleias têm um apelo especial. Elas são lindas, são enormes e ao mesmo tempo graciosas, inteligentes, dóceis e, apesar do tamanho, totalmente indefesas e vulneráveis aos arpões humanos. Então é natural que a morte de uma baleia nos cause indignação, enquanto que a morte de um camarão ou de um peixe qualquer parece não ter a menor importância. O problema é que, nesse ponto, a discussão deixa de ser científica e começa a pender para o lado sentimental. E isso é um complicador enorme dentro de uma negociação comercial internacional.

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Eu mesmo estou sentindo uma culpa enorme neste exato momento só de sugerir que se autorize matar um animal tão maravilhoso quanto uma baleia. Justo eu, que não mato nem uma formiga. Mas se alguém me convidar para jantar num restaurante japonês hoje, vou lá e como uma dezena de sushis e sashimis sem maiores problemas. Se for um churrasco, mesma coisa. Afinal, como já escrevi anteriormente neste blog, nós, seres humanos, mamíferos e onívoros, somos parte da cadeia alimentar e é perfeitamente natural que nos alimentemos de outros animais. Mas e os coitados dos peixes e dos camarões? Por que as baleias merecem viver mais do que eles? Por que não criamos também uma Comissão Internacional para a conservação de espécies ameaçadas de cobras, sapos ou aranhas? Ou para os tubarões, que também são pescados de forma extremamente predatória e cruel?

Em outras palavras: Se nos indignamos com a morte de uma baleia (e eu me incluo nesse grupo), não deveríamos também nos indignar com a morte de qualquer outro animal? Não deveríamos, então, nos tornar todos vegetarianos de verdade? Se as baleias não estão mais ameaçadas de extinção, por que elas têm mais direito à vida do que um outro animal qualquer?

É um conflito ético difícil de ser resolvido.

Quanto às questões econômicas e políticas: É lógico que o argumento do Japão de que caça baleias para fins científicos é uma balela total. Todo mundo sabe disso. Imagine, porém, se alguém dissesse que os brasileiros têm de parar de comer carne da vaca porque a pecuária está destruindo a Amazônia e o Cerrado, e centenas de espécies de animais e plantas estão entrando em risco de extinção por causa disso. Você aceitaria mudar seus hábitos alimentares? Deixaria de comer picanha?

Conversando com ribeirinhos e outros habitantes tradicionais da Amazônia, já ouvi várias vezes o argumento do tipo: "Imagine só que loucura, o Ibama não quer que a gente mate peixe-boi... ou tracajá ... ou macaco ... ou seja lá o que for".... "meu pai matava, meu avô matava" e assim por diante. É claro que, nesse caso, trata-se de uma prática tradicional, puramente cultural e até mesmo de subsistência. Que não é o caso da caça de baleias pelos japoneses, que envolve, além de uma questão cultural, uma série de interesses econômicos fortíssimos e até uma questão de soberania. Mas o princípio do argumento é o mesmo: Se eu sempre cacei e sempre comi, quem é você para dizer que não posso mais caçar?

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Para terminar, volto a dizer: Não estou argumentando a favor de matar baleias. De maneira nenhuma! Apenas fazendo uma reflexão sobre como atribuímos diferentes valores a diferentes formas de vida das quais nos alimentamos.

Abraços a todos.

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 Foto: Estadão

FOTO NO ALTO DO POST: Uma baleia beluga e seu bebê recém-nascido nadam no Aquário de Vancouver, no Canadá. CRÉDITO: REUTERS/Andy Clark/Files

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