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VOCÊ QUER SABER O QUE ESTÁ ESCRITO NO SEU DNA? (MESMO?)

Por Herton Escobar
Atualização:
 Foto: Estadão

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Como jornalista, eu sempre parto do princípio de que informação nunca é demais. Ou quase nunca ... Há alguns casos em que não saber talvez seja melhor do que saber. E a genética é um desses casos que deve ser avaliado com cuidado.

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As tecnologias de sequenciamento genético, assim como o nosso conhecimento sobre a genética humana, estão avançando numa velocidade extraordinária. O que antes custava alguns milhões de dólares, agora custa apenas alguns milhares. E o que levava meses para fazer, agora leva algumas poucas semanas, ou dias, ou até horas. Com uma gota de sangue ou uma simples amostra de saliva já é possível identificar, rapidamente, com o clique de alguns botões, dezenas ou até centenas de mutações genéticas relacionadas a doenças específicas.

Num futuro não muito distante, sequenciar DNA será algo tão rotineiro na medicina quanto tirar sangue ou se vacinar. Não tenho dúvida.

A pergunta é: O que vamos fazer com essas informações? Você quer mesmo saber tudo que está escrito no seu DNA? A resposta a essa pergunta vai depender de muitas variáveis. Vai depender do tipo de informação que você está procurando, a razão pela qual você a procura, a confiabilidade dessa informação e a possibilidade (ou não) de fazer alguma coisa a respeito caso você a encontre. Por exemplo: se você descobre que tem uma combinação de genes que aumenta o risco de arterioesclerose, você pode mudar sua alimentação, praticar mais exercícios e fazer examos rotineiros para evitar problemas cardíacos no futuro. (não que alguém precise de um exame de DNA para saber disso, mas vá lá ... apenas como um exemplo) Nesse caso, ótimo!

Mas e se o risco for para Alzheimer, e você não puder fazer nada a respeito? Vai passar o resto da vida se preocupando com uma doença sem cura, que poderá ou não se manifestar daqui 20, 30 ou 40 anos? Porque a medicina genética é uma ciência de probabilidades, não de certezas ... Raramente pode-se dizer que "se você tem esse gene, você terá essa doença", com 100% de certeza. Em geral é: "você tem 15% mais chances de desenvolver essa doença", que poderá ou não se manifestar ou te causar algum problema, dependendo de uma série de outros genes e outros fatores ambientais relacionados ao seu estilo de vida. Não é como um exame de HIV, que o resultado diz simplesmente positivo ou negativo. É algo muito mais complexo.

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Sem falar que a grande maioria das doenças (e das nossas características em geral) são poligênicas, influenciadas por vários genes simultaneamente. Estabelecer relações de causa e efeito sobre mutações isoladas, portanto, é algo bastante complicado. (Apesar de que pode ser feito e já está sendo feito com sucesso em diversos casos, especialmente na oncologia, em que certos genes têm relação direta com a evolução da doença e podem ser usados como fatores de prevenção e diagnóstico bastante confiáveis.)

O caso mais complicado, do ponto de vista tanto científico quanto ético, é o da medicina genômica preditiva. Especialmente quando aplicada à reprodução humana. Cientistas relataram recentemente em um estudo na revista Science Translational Medicine o desenvolvimento de um teste genético capaz de diagnosticar 448 mutações ligadas a doenças recessivas

Doenças "recessivas" são aquelas em que a criança precisa ter duas cópias de um gene defeituoso para ter a doença -- uma cópia herdada da mãe e outra, do pai. Nos casos em que uma cópia apenas é suficiente para expressar a doença, ela é chamada "dominante". As recessivas são as mais preocupantes porque a pessoa não sabe que é portadora da mutação. Só percebe quando tem um filho com outra pessoa que, por acaso, tem a mesma mutação. E aí a doença aparece no filho.

Em tese, portanto, casais que planejam ter filhos poderiam usar um teste como esse para fazer um "pente fino" nos seus genomas e saber, de antemão, se a combinação de seus cromossomos oferece algum risco para o bebê. Ótimo! É natural que todo pai se preocupe com a saúde do filho ... mesmo antes desse filho existir. Se for possível evitar que a criança nasça com alguma doença séria, melhor.

Mas e se você e sua mulher/marido descobrem que têm, mesmo, uma determinada mutação. O que fazer com essa informação? Ter o filho do mesmo jeito? Usar sêmen ou óvulos de doadores? Adotar? ... Você prefere ter um filho que é seu (geneticamente) doente, ou um filho com DNA de outra pessoa, porém saudável?

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E quando a criança já está crescendo no útero e você descobre que ela tem uma doença grave? O que fazer? (No Brasil não há opção legal, mas em países onde o aborto é permitido, como os EUA, os pais podem optar por interromper uma gestação em caso de síndrome de Down, por exemplo.) Trabalhos científicos publicados recentemente mostraram que já é possível diagnosticar a síndrome de Down com base numa simples amostra de sangue da mãe (que contém células e DNA do feto), assim como várias outras informações genéticas do feto.

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Uma vez que essas tecnologias saírem dos laboratórios e chegarem aos consultórios, o que fazer com essas informações? Os pacientes estão preparados para lidar com elas? Os médicos estão preparados para aconselhá-los sobre elas? Como isso tudo deve ser regulamentado? Do ponto de vista ético, os pais têm o direito de escolher os filhos que querem ter?

"A capacidade de detectar centenas ou até milhares de características genéticas em um único exame de sangue, no início da gravidez, poderia transformar os testes genéticos pré-natais de algo incomum em algo rotineiro. Essa possibilidade desafia todas as sociedades a decidir sobre para quais finalidades e de quais maneiras elas querem que esses testes sejam usados, levantando questões dificílimas sobre aborto, direitos dos deficientes, eugenia e consentimento informado, entre outras coisas", escreve Henry Greely, da Escola de Direito de Stanford, em um artigo publicado na revista Nature.

São perguntas difíceis, mas inevitáveis. Com o avanço do conhecimento e da tecnologia genômica, elas virão, e teremos que lidar com elas.

Abraços a todos.

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