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1 mãe, 30 trilhões de filhas

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Por Redação
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Imagine só: o corpo humano é composto de aproximadamente 30 trilhões de células, agrupadas em vários tipos de órgãos: ossos, músculos, coração, rins, fígado, sangue, intestino, cérebro, olhos, ouvidos, língua, nariz, etc. Não só isso, mas cada um desses órgãos é também formado internamente por uma série de tecidos altamente especializados e altamente diferenciados. Nos olhos, por exemplo, há células especializadas em enxergar cores, outras especializadas em enxergar durante a noite, outras que formam a íris e outras, a retina. No pâncreas, há células especializadas em secretar insulina. Nos rins, encontram-se os nefros, estruturas especializadas em filtrar o plasma do sangue e produzir urina. O intestino também é recheado de células especializadas, assim como o sangue contém vários tipos de células (glóbulos brancos, vermelhos), o sistema nervoso contém vários tipos de neurônios (motores, sensoriais, dopaminérgicos, glia, astrócitos), e assim por diante .... São mais de 200 tipos no total. Mas o fato mais incrível de todos - depois desta longa introdução - é que todos esses trilhões de células altamente diferenciadas são filhas de uma única célula mãe, chamada zigoto, que é formada pela união do espermatozóide e do óvulo logo após a fertilização. O zigoto então se divide em duas, quatro, oito, dezesseis células e assim por diante, até formar um indivíduo completo com todos os tecidos e órgãos que estão dentro de você agora. Esse processo primordial de multiplicação e diferenciação das células embrionárias é chamado de embriogênese - na minha opinião, o fenômeno mais incrível de toda a biologia. A pergunta que não quer calar, nesse caso, é a seguinte: como diabos é que cada uma dos trilhões de células formadas a partir do zigoto sabe no que deve se transformar e para onde deve ir? Como é que as células do seu dedo sabiam que deveriam ser células do dedo da mão e não células do dedão do pé ou algum neurônio dentro do seu cérebro? Como é que o coração, o fígado, os rins e as costelas vão sempre parar no lugar certo em todas as pessoas? Por que é que as pessoas não nascem com um braço saindo pela cintura, uma orelha crescendo pela perna ou um olho no meio da testa? Esse é um dos campos de estudo mais desafiadores e fascinantes da biologia. O que os cientistas sabem é que há genes específicos que controlam a embriogênese, instruindo as células a se diferenciar, migrar e conectar da maneira correta dentro do embrião. Como é muito difícil estudar isso em embriões humanos, a maior parte dos estudos é feita com embriões de moscas, vermes, galinhas e outros modelos animais. Nas moscas-das-frutas, por exemplo, há genes que controlam especificamente a formação de pernas e olhos. Se você ativa o gene da perna na cabeça, nasce uma perna na cabeça. Se você ativa o gene do olho na perna, nasce um olho na perna.  Mas é claro que ainda há muito para descobrir e entender sobre como se chega de um zigoto a um indivíduo adulto. Esse é o grande barato das células-tronco embrionárias. Do ponto de vista da pesquisa básica, elas abrem uma oportunidade única de estudar o processo de diferenciação celular in vitro, em ambientes controlados de laboratório. Do ponto de vista clínico, elas são como uma célula curinga que os cientistas esperam, um dia, utilizar como matéria-prima para a produção de tecidos especializados, que possam ser usados na pesquisa e - quem sabe! - até mesmo no tratamento de doenças. Recentemente, alguns cientistas inventaram um truque de reprogramação genética que transforma células "adultas" em células embrionárias, que podem então ser induzidas a formar novos tecidos especializados, completamente diferentes dos que elas faziam parte originalmente. Fantástico! É como se tivessem inventado uma máquina do tempo. Como se você pegasse um carpinteiro, transformasse-o de volta num bebê, apagasse toda a sua memória e o ensinasse a ser eletricista. O que vamos fazer e aprender com essas células? Só o tempo dirá. Mas certamente será muito. Pense nisso a próxima vez que ouvir falar em células-tronco.

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