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A lenda do pulmão amazônico

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Por Redação
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Imagine só: a Amazônia não é o "pulmão do mundo", como todo mundo diz. A floresta, na verdade, consome praticamente todo o oxigênio que produz. E mesmo se não o fizesse, a quantidade de oxigênio que lança na atmosfera por meio da fotossíntese é absolutamente irrisória na escala planetária. Não faz nenhuma diferença para nós. Na verdade, praticamente todo o oxigênio que nós respiramos hoje foi produzido alguns bilhões de anos atrás, por uma combinação de processos biológicos e geológicos. Há várias teorias que tentam explicar exatamente como e quando isso aconteceu, mas não seria o caso de entrar nos detalhes aqui. O fato é que o oxigênio que está na atmosfera hoje não está sendo produzido agora - ele já existe há muito tempo. Cerca de 21% da atmosfera é composta de oxigênio (O2) e apenas 0,04% de dióxido de carbono (CO2). O que as plantas e cianobactérias fazem com a fotossíntese é "consumir" CO2 e expelir O2, enquanto nós, animais, fazemos o contrário com a respiração: consumimos oxigênio e expelimos dióxido de carbono. Tanto que, se você fechar um monte de gente num quartinho sem ventilação, no fim o oxigênio acaba e morre todo mundo. Desse modo, parece óbvio pensar que, se não fossem as plantas, o oxigênio do planeta acabaria e morreríamos todos. Mas, felizmente, a Terra não é um quartinho fechado. A quantidade de oxigênio na atmosfera hoje é tão grande e a de CO2, tão pequena, que todas as plantas do mundo poderiam parar de fazer fotossíntese neste momento e você não sentiria a menor diferença. "Mesmo se você transformasse todo o CO2 em O2, a concentração de oxigênio na atmosfera não mudaria quase nada", explica o físico e meteorologista Antonio Manzi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). "A quantidade de oxigênio hoje é praticamente estável." Outro detalhe importante que costuma passar despercebido é que as plantas só fazem fotossíntese de dia, quando há luz do sol. De noite, quando as luzes se apagam, elas fazem sabem o que? Respiram oxigênio, igualzinho à gente! Aliás, elas respiram também durante o dia, ao mesmo tempo que fazem fotossíntese, segundo me explicou o biólogo Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na prática, pode-se dizer que as plantas se alimentam de luz, usando a radiação solar para produzir carboidratos. Mas o processo que elas usam para metabolizar esse alimento e gerar a energia de que suas células precisam para funcionar é o mesmo que nós: a respiração. Resumindo: a Amazônia pode virar um estacionamento amanhã que ninguém vai morrer sufocado por falta de oxigênio. Tudo que a floresta produz, ela também consome. Temos milhões de razões para preservar a Amazônia, mas produção de oxigênio para o ser humano, definitivamente, não é uma delas. Eis aqui uma boa razão: Segundo Manzi, a Amazônia guarda, embutida na sua vegetação, uma quantidade de carbono equivalente a pelo menos dez vezes o que o mundo todo lança na atmosfera em um ano. Se a floresta fosse inteira queimada hoje, seria como explodir uma bomba atômica de carbono. As conseqüências para o clima seriam catastróficas. (Apesar do CO2 ser apenas 0,04% da atmosfera, um pequeno incremento dessa concentração pode surtir efeitos graves sobre o planeta - o que é a base de toda a problemática do aquecimento global.) Sem falar nas dezenas de milhares de espécies que seriam extintas, em todos os recursos genéticos e biológicos que seriam perdidos e no total colapso ambiental, social, cultural e econômico que a perda da floresta acarretaria para a América do Sul. Temos justificativas suficientes para preservar a Amazônia, sem precisar vender essa propaganda enganosa do "pulmão do mundo". Pense nisso a próxima vez que falarem sobre a floresta.

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