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Opinião|Agonia do sonho americano

Nos EUA, sonho se resumiu na crença de que a cada geração os filhos seriam mais ricos que seus pais

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Atualização:
Gráfico mostra porcentual de filhos que ganham mais que os pais Foto: Infográficos/Estadão

Em 1931, James Truslow Adams definiu o sonho americano: uma terra onde a vida deve ser melhor, mais rica e completa para todos, com oportunidade para cada um de acordo com suas habilidades e conquistas. Com o passar das gerações, as pessoas seriam mais felizes, ricas e realizadas. Como os EUA não são o Butão, onde a felicidade é o indicador de progresso, nos EUA esse sonho se resumiu na crença de que a cada geração os filhos seriam mais ricos que seus pais.

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O problema é que nunca foi possível medir se o sonho estava se realizando. Análises indiretas são abundantes e vão desde medidas de crescimento do PIB per capita até o aumento da renda familiar média, incluindo índices de consumo. A novidade é que a medida foi feita diretamente pela primeira vez. E, como quase sempre ocorre, a ciência é destruidora de sonhos.

Usando nova metodologia e dados de censos populacionais combinados com informações de impostos, seis economistas das universidades de Stanford, Harvard e Berkeley determinaram a renda familiar de pessoas nascidas de 1940 a 1984 e de seus pais. Funciona assim. Você seleciona uma população que nasceu em um dado ano e descobre a renda anual, em dólares, ao atingir uma idade determinada (imagine 30 anos). Daí você descobre os filhos dessas pessoas e determina a renda anual quando atingem os mesmos 30 anos.

Com um exemplo fica mais fácil. Imagine uma pessoa que nasceu em 1890. Em 1920 (aos 30 anos), ela tinha renda anual de US$ 10 mil. Imagine que essa pessoa teve um filho aos 20 anos, em 1910. Em 1940, ele terá a mesma idade de quando seu pai tinha renda de US$ 10 mil. Aí você determina a renda anual do filho em 1940, corrige os dois valores pela inflação e verifica se o filho ganha mais ou menos do que seu pai ganhava com a mesma idade.

Se você repetir esse procedimento com dezenas de milhares de pessoas nascidas em cada ano e tiver amostras de todas as classes de renda, você descobrirá se, ao longo dos anos, os filhos ganham mais, menos ou o mesmo que os pais. Foi o que os cientistas fizeram.

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O resultado é resumido em um único gráfico, apesar de o trabalho ser enorme. Na horizontal está o ano de nascimento dos filhos desses pares de pais/filhos (de 1940 a 1984). Esse eixo só vai até 1984 porque os nascidos nessa data só atingiram a idade em que sua renda foi determinada (30 anos) em 2014. Na vertical está a porcentagem dos filhos que, aos 30 anos, ganham mais que seus pais ganhavam quanto tinham 30 anos.

O resultado é simples. Entre os filhos nascidos em 1940, mais de 90% ganharam mais que seus pais aos 30 anos. O número cai até 1964, quando 56% dos filhos nascidos ganham mais que seus pais. São 24 anos de queda contínua. Aí o porcentual se estabiliza até 1975 e passa a cair novamente. Em 2004, dos filhos nascidos em 1984, somente 50% ganhavam mais que seus pais. Esse gráfico mostra que entre 1940 e 1984 o sonho americano se evaporou e hoje metade dos filhos ganha menos.

O interessante é que a queda ocorre mesmo em décadas de grande crescimento econômico, o que pode parecer um paradoxo. Mas a análise dos dados demonstra que ela é explicada pelo aumento brutal da concentração de renda em um pequeno subgrupo dos que ganham mais do que os pais. E, mais interessante, as simulações demonstram que, para o sonho se tornar novamente realidade, revertendo essa queda, não basta o crescimento econômico: é preciso aumentar a distribuição de renda. 

A conclusão é que, apesar do crescimento da economia desde 1940, o número de filhos que ganha menos do que os pais subiu de 10% para 50%. É o sonho americano andando de marcha à ré. Economistas já haviam detectado a tendência, mas esse gráfico vai causar muita discussão nos próximos anos. E você, ganha mais do que seus pais e menos do que seus filhos?

MAIS INFORMAÇÕES: THE FADING AMERICAN DREAM: TRENDS IN ABSOLUTE INCOME MOBILITY SINCE 1940. SCIENCE. VOL. 356, PÁG. 398 (2017)

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Opinião por Fernando Reinach
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