Agricultores recebem dinheiro para preservar Mata Atlântica

Através do projeto Floresta Viva, ONG adota o renda mínima e ensina agricultores familiares a desenvolver atividades sustentáveis no sul da Bahia

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Por Agencia Estado
Atualização:

Abandonado pela mulher e pelos filhos, que não agüentaram as privações do trabalho na roça, e prestes a também desistir de suas terras, o agricultor Gilberto Alves de Lima resolveu dar um voto de confiança a um ambientalista, que o aconselhou a plantar ?pé de pau? e viver da floresta que estava destruindo. Seu Beca, como é conhecido, construiu um viveiro de espécies da Mata Atlântica, aprendeu a fazer horta e abriu o que restou de mata em sua propriedade para turistas fazerem trilhas. Junto com dona Leci, que voltou para casa depois de trabalhar três anos como doméstica na cidade, passou a receber R$ 100,00 por mês para não desmatar e espera, para a próxima semana, o retorno da primeira, dos sete filhos, que pretende ter novamente vivendo ao seu lado. Morador da Área de Proteção Ambiental Itacaré-Serra Grande, uma das regiões mais preservadas de Mata Atlântica no litoral sul da Bahia, seu Beca é um dos agricultores familiares que participam do Floresta Viva, projeto idealizado pelo Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (Iesb) para preservar a floresta, dando condições de permanência para seus moradores. Iniciado há dois anos, com capacitação técnica e treinamento para atividades conservacionistas, o projeto inovou ao incorporar em suas ações a garantia de renda mínima aos agricultores que estão investindo no projeto. Os R$ 100,00 mensais, a título de serviços ambientais, são financiados pela iniciativa privada - sobretudo empreendimentos turísticos da região -, para as famílias que se comprometerem a não desmatar, produzir mudas, colocar os filhos na escola e tirar os mais jovens dos trabalhos pesados da roça. Dez famílias receberam o primeiro pagamento na semana passada e outras 25 devem ser incorporadas até o final de maio. ?Esperamos conseguir recursos para chegar a 100 famílias, das cerca de 150 que vivem na APA, até o final do ano?, diz o engenheiro agrônomo Rui Rocha, diretor do Iesb. ?Desde que cheguei aqui, há dez anos, passava a maior parte do tempo chorando e dizendo para meu marido que iria voltar para Salvador. Pusemos tudo que o tínhamos aqui e não conseguíamos mais do que R$ 10,00 por semana. Disseram que a terra era boa, mas não era; de tudo que plantamos, só restou uma touceira de cana?, diz Gisélia Rodrigues de Jesus. Ela e o marido Domingos foram os primeiros a acreditar que poderiam mudar seus destinos investindo em reflorestamento. Um ano depois, o casal já produz mudas para recuperação de áreas degradadas, vende hortaliças para restaurantes e pousadas da região e está finalizando uma represa com roda d?água, que garantirá a irrigação da horta e, finalmente, água encanada em casa. Com a renda mínima que passaram a receber, Gisélia espera melhorar sua casa e realizar o grande sonho: ter luz elétrica. Estrada e turismo Os agricultores começaram a chegar a essa região, que fica entre Ilhéus e Itacaré, no início dos anos 90, comprando posses ou através de assentamento do Incra. Além de se depararem com uma floresta ainda intocada, descobriram, depois do trabalho árduo para desmatar e plantar suas roças, que a terra era pobre para a cultura da mandioca. Para piorar, foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA), impondo muitas restrições ao uso da terra. Com a APA, vieram também a estrada Ilhéus-Itacaré e os empreendimentos turísticos. ?A crise do cacau nessa região causou um grande impacto na Mata Atlântica, assim como o desenvolvimento do turismo. Por isso, nos preocupamos em conseguir um modelo de estrada-parque para a rodovia - que encurtou de cinco para uma hora o percurso entre Ilhéus e Itacaré - e em apoiar os agricultores familiares, para que parassem de desmatar, mas permanecessem na terra, com melhores condições de vida?, disse o diretor do Iesb. Paulo Liebert/AEPassagem para animais na estrada parque de Itacaré Criada em 1993, a APA Itacaré-Serra Grande ocupa uma área de 16.800 hectares (28 Km de comprimento por 6 Km de largura), dos quais metade é floresta, onde estão os agricultores, e metade é uma belíssima área costeira, ocupada por antigas fazendas de coqueiros e, mais recentemente, também por luxuosos resorts. ?Aos poucos, fomos vencendo a resistência dos pequenos agricultores, mostrando que a Mata Atlântica pode ser fonte de renda, mesmo sem vender madeira ou fazer roça, e conseguimos o apoio de pousadeiros e grandes proprietários, que querem a permanência da floresta como atrativo?. A primeira atividade do Iesb com os agricultores foi a criação de viveiros para recuperação de áreas degradadas. Através do programa ClickÁrvore, da SOS Mata Atlântica, foram plantadas 40 mil mudas nas margens do rio Tijuípe. O reflorestamento agora está concentrado na recuperação das margens da estrada Ilhéus-Itacaré, com o financiamento de 60 mil mudas pelo governo do Estado. Atualmente, já são 52 viveiros e 60 agricultores envolvidos com a produção de mudas na APA. ?A partir de maio, iniciaremos a produção de mais 200 mil mudas, para um projeto de seqüestro de carbono, já aprovado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente?, diz Rocha. Parte dessas mudas será utilizada para recuperar as áreas dos próprios agricultores com espécies nativas e outras que possam gerar renda às famílias, como açaí, cupuaçu, pupunha, cacau e coco. Qualidade de vida A produção de hortaliças, segundo a engenheira agrônoma Valéria Cyrillo, começou em duas propriedades, com o objetivo de melhorar a alimentação e vender o excedente. A descoberta de um mercado crescente por verduras, que não existiam na região, animou outras famílias a participar. ?Somente essa atividade tem rendido cerca de R$ 100,00 por mês para cada família. A mais produzida é a rúcula, mas agora estamos diversificando, com alface, salsa, cebolinha, coentro e almeirão?, conta. Como as hortas, totalmente orgânicas, precisavam de água encanada, foi conseguido o apoio da entidade Médico Internacional para resolver o problema. Através de mutirão, dez famílias estão construindo represas com roda d?água e trazendo água para irrigar a horta e abastecer suas casas. Paulo Liebert/AEEdivaldo Jesus Santos e família ?O objetivo da renda mínima, nesse contexto, é mostrar às famílias que a preservação de suas áreas têm um valor em si e dar uma garantia mínima de sobrevivência, para que sobre tempo para poderem se dedicar a projetos novos, que garantirão uma vida mais tranqüila?, explica o coordenador do Floresta Viva, Salvador Ribeiro da Silva Filho. ?Por isso, colocamos, como condição para participar, a retirada das crianças do trabalho na roça e o envio para a escola. Esperamos, num prazo de dez anos, aumentar a renda média dos pequenos agricultores da região de R$ 100,00 para R$ 400,00. Edivaldo Jesus Santos, que nesta semana trabalhava na instalação da caixa d?água e encanamento em suas terras - enquanto sua mulher cuidava da horta e dos filhos pequenos (de 1 e 5 anos) e os mais velhos (de 10 de 13 anos) estudavam -, está empolgado com a nova perspectiva. ?A situação financeira está melhor e estamos aprendendo muita coisa?.

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