ANÁLISE-Eventual papa latino-americano não deve mudar foco da Igreja na região

PUBLICIDADE

Por Bruno Marfinati
Atualização:

A Igreja Católica está preparada para ter um papa latino-americano, mas isso não significaria um direcionamento de suas políticas para a região, apesar de a América Latina abrigar a maior população católica do mundo, disseram especialistas e religiosos à Reuters. Para eles, a origem do novo pontífice será uma questão secundária no conclave de cardeais que elegerá o próximo papa, que deverá ter características firmes para enfrentar problemas administrativos, econômicos e éticos que envolvem toda a Igreja. "Alguém que vem da região, que tem uma compreensão maior dos problemas daqui, vai ter um olhar mais atento, mas vai ter que lidar com Europa, com África, com Ásia, não poderá ser absorvido pela agenda local ou regional", disse o historiador José Oscar Beozzo, do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular Latino-Americano. Segundo o diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP, Valeriano dos Santos Costa, nas duas eleições passadas rompeu-se a tradição de eleger um papa italiano com a escolha de um polonês e um alemão, o que foi, na opinião dele, o início de um movimento para escolher um papa fora da Europa no futuro. O segredo do conclave torna mais difícil considerar o que os cardeais esperam do futuro líder da Igreja Católica. Para Beozzo, "aumentou o leque das incógnitas... Seria salutar uma transparência". Entre os cardeais da América Latina, as especulações apontam para o gaúcho dom Odilo Pedro Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, como um dos prováveis sucessores de Bento 16, o primeiro papa a renunciar em seis séculos. "Ele representa bem o contexto latino-americano. Acho que é um homem preparado e que teria as condições", afirmou Valeriano. No entanto, não há um consenso na América Latina e outros nomes foram comentados por especialistas, como o arcebispo de Tegucigalpa, Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio; e o arcebispo de Bogotá, Rubén Salazar Gómez. "Está cada vez mais claro que a Igreja aparece muito multicultural e está perfeitamente preparada para acolher um papa de qualquer origem", afirmou o padre Jesus Hortal, especialista em Direito Canônico da PUC-Rio. "Se temos que fazer uma renovação, tem que ser gente completamente nova e, por outro lado, a América Latina tem um peso muito importante dentro da Igreja Católica", acrescentou Hortal. Se for um brasileiro, os especialistas reconhecem que haverá uma comoção popular bastante grande, ainda mais porque a Jornada Mundial da Juventude acontecerá em julho no Brasil, país com a maior população católica do mundo, à frente de México, Filipinas, Estados Unidos e Itália. No entanto, seja brasileiro ou de outro país latino-americano, isso não implicará, de imediato, uma mudança substancial da Igreja em relação à América Latina. Participam do conclave 115 cardeais, oriundos de 48 países, que tinham menos de 80 anos na data da abdicação de Bento 16, no fim de fevereiro. Mas o número de representantes não é proporcional à população católica de cada região. De acordo com o Pew Research Center, a América Latina, que tem 39 por cento da população católica do mundo, está representada no conclave por 19 cardeais, sendo cinco brasileiros, bem abaixo dos 60 cardeais da Europa, que concentra apenas 24 por cento dos católicos. Também participam 14 cardeais da América do Norte, 11 da África, 10 da Ásia e 1 da Oceania. BECO SEM SAÍDA O novo pontífice assumirá uma Igreja tomada por diversos desafios, como promover uma nova evangelização, o convívio com outras religiões e fés, o escândalo do vazamento de informações confidenciais da Santa Sé e os abusos sexuais. Mas para os especialistas, nada será mais desafiador do que lidar com a concentração do poder nas mãos do papa e da Cúria Romana, um movimento iniciado por João Paulo 2º e continuado por Bento 16 que, para Beozzo, deixou a Igreja "num beco sem saída". Se eleito papa, dom Odilo, reconhecido defensor de posições polêmica da Igreja, daria continuidade a essa linha por ser conhecedor dos meandros do núcleo da Igreja e um dos cardeais responsáveis pela supervisão do Banco do Vaticano. "Ele vai ter muito pouco a falar de América Latina. Ele vai falar muito mais de centralização e controle vertical do poder... Acho que há muito entusiasmo com o negócio de um papa fora da Europa, mas tem que pensar sempre na razão de Estado da Igreja", afirmou o professor de Política e Ética da Unicamp Roberto Romano. Também não há expectativa de que dom Odilo promoveria mudanças significativas em relação a temas sobre os quais a Igreja tem sido cobrada para se modernizar e se adequar às mudanças na sociedade, como o uso de células-tronco, de métodos contraceptivos, o aborto e a relação entre pessoas do mesmo sexo. "Não sei quanto a gente poderia avançar com ele (dom Odilo)... Está na hora de sentar e fazer uma avaliação séria. Essas coisas são passíveis de uma boa conversa e de mudança, sem que isso mexa com nada de substancial, embora afete muito o cotidiano", disse Beozzo. No entanto, há um consenso entre especialistas e religiosos ouvidos pela Reuters de que o futuro papa não poderá fugir dessa agenda, que também inclui a migração de fiéis católicos para outras religiões. No Censo 2010, o Brasil tinha 123 milhões de fiéis católicos, ou 64,6 por cento da população, enquanto os evangélicos somavam 22,2 por cento, sendo o segmento religioso que mais cresceu no país. "Os cardeais podem decidir a eleição do papa, mas eles não podem adiar essa agenda múltipla que está se tornando gritante", afirmou Romano.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.