Aquecimento global ameaça lagos glaciais e circulação oceânica

Aumentam os riscos de desastres associados a alterações na temperatura das águas e derretimento de geleiras

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Por Agencia Estado
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Os lagos do Himalaia e a circulação oceânica nos pólos têm um problema em comum: o aquecimento global. Com o esperado aumento nas temperaturas médias da atmosfera terrestre, causado pelo excesso de emissões de carbono, as geleiras e neves eternas estão derretendo e ameaçam deflagrar desastres ambientais ainda não incluídos no extenso rol de conseqüências do efeito estufa. No Himalaia, pelo menos 44 lagos glaciais estão recebendo mais água do que o usual, fluxo resultante do derretimento de neves eternas. E podem transbordar num prazo de 5 anos, causando enxurradas monumentais nas encostas íngremes das montanhas, com graves conseqüências sobre tudo o que estiver no caminho: casas, cidades, campos agrícolas e pastagens. O alerta é de pesquisadores do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma) e do Centro Internacional para o Desenvolvimento Integrado das Montanhas (Icimod). "Nossos estudos indicam que pelo menos 20 lagos glaciais do Nepal e 24 do Butão tornaram-se potencialmente perigosos como resultado do aquecimento global", diz Surendra Shrestha, do Pnuma. "Temos evidências de que eles podem transbordar entre 5 e 10 anos, com resultados catastróficos para pessoas e propriedades por centenas de quilômetros montanha abaixo. E estes são apenas os que conhecemos. Quem sabe quantos outros estão em estado igualmente crítico?" O Lago Tsho Rolpa, por exemplo, aumentou sua área em seis vezes, nos últimos 50 anos, e agora está no limite do que as margens podem conter, ameaçando a vila de Tribeni, 108 km montanha abaixo, onde vivem 10 mil pessoas. Um esquema de alarmes de emergência já foi estabelecido e engenheiros do Icimod estão buscando alternativas para drenar as águas do lago, baixando seu nível em pelo menos 30 metros. "As montanhas já foram consideradas indomináveis, imutáveis e inexpugnáveis", observa Klaus Toepfer, diretor do Pnuma. "Mas estamos aprendendo que são tão vulneráveis como os oceanos, campos e florestas às ameaças ambientais impostas pelo desenvolvimento insensível e desenfreado". Nos pólos, a ameaça do aquecimento global vai muito além do derretimento de geleiras, que podem aumentar o nível dos oceanos. Na verdade, antes mesmo desse aumento de nível se tornar significativo, a alteração do atual equilíbrio entre águas salgadas e doces, de diferentes temperaturas, pode modificar a circulação oceânica, interrompendo a absorção de carbono e criando um círculo vicioso capaz de potencializar as mudanças climáticas. "Estamos acostumados a fazer previsões sobre os efeitos do aquecimento global assumindo que a circulação oceânica vai continuar como a conhecemos hoje, mas a circulação pode mudar radicalmente", disse à Agência Estado o pesquisador Peter Tans, físico do Laboratório de Monitoramento e Diagnóstico Climático da National Oceanic Atmospheric Administration (NOAA), dos EUA. Segundo ele, ao contrário das emissões de gases do efeito estufa - que têm um grande número de fontes - só existem dois grandes sumidouros para o carbono atmosférico: as plantas em crescimento e os oceanos, sendo estes mais significativos do que aquelas, em termos de quantidades absorvidas. "O carbono da atmosfera e dos oceanos está em equilíbrio e, se mudamos este equilíbrio, podemos alterar significativamente as correntes e toda a circulação oceânica, reduzindo a absorção de carbono e criando um círculo vicioso de conseqüências catastróficas", diz. A explicação está nos pólos, Norte e Sul, onde existe uma troca entre a água da superfície e a água das profundezas e é nesta troca que a maior parte do carbono afunda. A troca ocorre porque os oceanos dos pólos recebem aportes de água salgada de correntes, como a do Golfo. Quando essa água salgada esfria, próximo do ponto de congelamento, ela fica muito densa e afunda, levando junto o carbono resultante da respiração de microorganismos que vivem na superfície. "Não é difícil imaginar o que pode acontecer se o derretimento de geleiras criar uma camada superficial de água muito menos densa sobre os oceanos dos pólos: uma ligeira alteração na salinidade e aquela massa de água vai estabilizar e não vai afundar mais, e toda a circulação oceânica vai mudar". "Este é um aspecto que vai alterar radicalmente o clima", acrescenta Peter Tans. "Mas ainda há outro detalhe: a atmosfera tem muito menos gás carbônico do que os oceanos, porque nos oceanos há vida. E se alguma coisa acontecer com o equilíbrio dos oceanos, este carbono ali estocado pode ser devolvido à atmosfera".

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