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Arroz vs. ipod, biologia vs. tecnologia

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Por Redação
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Imagine só: O ser humano é capaz de construir carros, telefones, computadores, iPods e prédios tão altos que quase arranham o céu, mas é absolutamente incapaz de fabricar um único grão de arroz. Na verdade, não é capaz de fabricar qualquer mísero ser vivo que seja, nem que seja para salvar a própria vida. A domesticação de plantas e animais para alimentação, chamada agricultura e pecuária, é sem dúvida uma das conquistas mais importantes da história da humanidade. Foi ela que nos permitiu passar de pequenas colônias itinerantes de caçadores e coletores, que passavam o dia correndo atrás de comida, para sociedades maiores, bem estabelecidas e muito mais desenvolvidas, com tempo para pensar em arte, cultura, construir cidades, fazer política e desenvolver novas tecnologias. No momento em que o mundo moderno enfrenta uma crise econômica de alimentos, porém, é interessante observar que, mesmo com todas as nossas supertecnologias, ainda somos incapazes de produzir algo aparentemente tão simples quanto um grão de arroz. O agricultor seleciona as melhores variedades, prepara o solo e dá as condições ideais para que o arroz cresça. Mas quem produz o arroz de fato - e sempre produzirá - é a boa e velha Mãe Natureza. Se não acredita, então vá ao campo e peça para qualquer fazendeiro lhe produzir um saco de arroz. Ele vai dizer: "Ok, me dê um saco de sementes, um hectare de terra, um saco de fertilizantes, alguns bons meses de sol e chuva e não tem problema. Assim que a natureza produzir o seu arroz, eu colho e te entrego no supermercado." Fácil, né? Nós domesticamos a natureza e desenvolvemos técnicas para que ela produza muito mais alimentos do que normalmente o faria, mas de maneira alguma tomamos o lugar dela. Não existe "arroz sintético". Sem terra, água, sol, nutrientes e minhocas no chão, nosso arroz e feijão já era. Vamos todos morrer de fome. E não há computador que vá resolver o problema - a não ser que alguém aprenda a digerir silício. Quando você quer fazer um bolo, basta passar no supermercado, comprar os ingredientes e seguir a receita: farinha, ovos, etc. Já a receita para fazer um grão de arroz está escrita nos genes da planta. São eles que carregam as instruções para produzir todas as peças biológicas de um organismo - cujo funcionamento é muito mais complexo do que qualquer coisa que o homem já inventou. O genoma do arroz já foi seqüenciado, o que nos permite ler a receita e até modificá-la de certa forma, por meio da biotecnologia. Se existe um gene que faz a planta crescer mais rápido ou produzir mais grãos, os cientistas podem modificar esse gene ou até inserir cópias extras dele no genoma, para turbinar essas características. Também podem pegar genes de uma variedade que seja mais resistente a doenças e inseri-los em outra, que seja mais fraquinha. Já fizeram até o famoso (e polêmico) "arroz dourado", uma variedade transgênica com dois genes a mais que induzem a produção de betacaroteno nos grãos. São técnicas que permitem aumentar a produtividade e a qualidade nutricional dos alimentos, mas que não substituem, de maneira alguma, o solo, a água, o sol, as proteínas, as mitocôndrias, os ribossomos e todos os milhares de processos genéticos e celulares que precisam acontecer para que aquela planta simplesmente exista. Perto do maquinário biológico que existe nas células de um grão de arroz, o seu iPod é menos do que um radinho de pilha - e olhe lá, ainda estou dando uma colher de chá para o Steve Jobs. Pense nisso a próxima vez que comer um prato de arroz com feijão.

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