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Trio de cientistas ganha Nobel da Física por pesquisas no campo da tecnologia a laser

Pesquisadores premiados foram o americano Arthur Ashkin, o francês Gérard Mourou e a canadense Donna Strickland

Por Herton Escobar
Atualização:

Já imaginou usar um laser como uma pinça, para manipular organelas dentro de uma célula viva (detalhe: sem danificá-la ou interferir no seu funcionamento)? Ou como um bisturi superpreciso, capaz de fazer correções cirúrgicas no olho de uma pessoa? Essas aplicações existem e só são possíveis graças ao trabalho pioneiro de três pesquisadores, laureados nesta terça-feira, 2, com o Prêmio Nobel de Física 2018: o americano Arthur Ashkin, o francês Gérard Mourou e a canadense Donna Strickland. 

“O prêmio deste ano é sobre ferramentas feitas de luz”, anunciou o secretário-geral da Academia Real de Ciências da Suécia, Goran Hansson.

Os pesquisadores Arthur Ashkin, dos Estados Unidos, Gérard Mourou, da França, e Donna Strickland, do Canadá, foram premiados por pesquisas no campo da tecnologia a laser em casos como a manipulação de organelas dentro de uma célula viva (detalhe: sem danificá-la ou interferir no seu funcionamento) e o uso de um bisturi superpreciso, capaz de fazer correções cirúrgicas no olho de uma pessoa. Foto: Hanna Franzen/TT News Agency/AFP

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Ashkin, de 96 anos, é o cientista mais velho a receber o cobiçado prêmio - e já não era sem tempo, segundo pesquisadores da área ouvidos pelo Estado

Ele foi o responsável, na década de 1980, pela invenção das chamadas pinças óticas, uma técnica que utiliza feixes de luz (lasers) para imobilizar, manipular e estudar átomos, moléculas, células, vírus, bactérias e outros objetos microscópicos em laboratório. Abrindo caminho, assim, para uma revolução no estudo do funcionamento mais básico dos seres vivos.

“Muitas coisas na Biologia foram descobertas graças a essa técnica”, diz o físico Paulo Nussenzveig, da Universidade de São Paulo (USP). “Há muito tempo o Ashkin merecia esse reconhecimento.”

“É um prêmio muito merecido, de longa data”, reforça o físico Hugo Fragnito, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que foi colega de Ashkin nos Laboratórios Bell (EUA), no fim da década de 1980, e assistiu a uma das primeiras palestras que ele fez sobre sua descoberta naquela época. “Ficou todo mundo de boca aberta”, lembra. “As implicações eram fascinantes - e viraram realidade.” Além de segurar e manipular objetos microscópicos, as pinças óticas permitem também medir forças extremamente pequenas que atuam dentro desses objetos. Por exemplo, a força elástica de uma molécula de DNA, ou a que um vírus usa para penetrar em uma célula.

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“Você olha para a célula, manipula e mede o que está acontecendo dentro dela, em tempo real e com a célula viva”, diz o físico Carlos Lenz Cesar, que também trabalhou nos Laboratórios Bell no fim dos anos 1980 e, inspirado por Ashkin, voltou ao Brasil e montou a pinça ótica do País, em 1991, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

“Achei a técnica muito interessante e fui convencer os biólogos de que era interessante para eles também”, conta o físico, hoje na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Precisão cirúrgica

Os outros dois laureados, Mourou e Donna, receberam o prêmio pela invenção da técnica de amplificação de pulsos ultracurtos (CPA, na sigla em inglês), que permite produzir lasers de altíssima intensidade, com uma grande variedade de aplicações nas áreas de Física, Química, Biologia e Medicina - entre elas, cirurgias oculares e fabricação de stents. 

Tudo isso, de forma extremamente controlada e com equipamentos compactos. “Lasers de altíssima potência passaram a caber na mesa de um pesquisador, em vez de ocupar um quarteirão inteiro”, diz Fragnito. “São técnicas que abriram caminho para revoluções científicas”, diz Nussenzveig.

Mourou hoje é pesquisador da Escola Politécnica da França e Donna, da Universidade de Waterloo, no Canadá, mas desenvolveram a CPA em conjunto na Universidade de Rochester (EUA), também no fim da década de 1980. Ela era aluna de doutorado dele.

Os pesquisadores premiados foram o americano Arthur Ashkin, o francês Gérard Mourou (centro) e a canadense Donna Strickland. Na foto,Mourou explica, ao lado de outros dois cientistas, o potencial do laser na Universidade deMichigan Foto: The Ann Arbor News / Robert Chase / AP

Canadense é terceira mulher a receber prêmio

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Donna Strickland é apenas a terceira mulher, de um total de 112 laureados, a receber o Nobel de Física desde a criação do prêmio, em 1901. As outras foram Marie Curie, em 1903, e Maria Goeppert-Mayer, em 1963.

“É o fim de um jejum de 55 anos, dramático”, disse, em comemoração, a física brasileira Marcia Barbosa, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que há anos chama atenção para a baixa participação e a falta de reconhecimento das mulheres na Física.

Aos 59 anos, nascida em 1959 em Guelph, no Canadá, Donna é hoje um dos principais nomes da física de lasers no mundo. Mas o trabalho pelo qual ela recebeu o Nobel ontem foi a sua tese de doutorado, que resultou na sua primeira publicação científica, em dezembro de 1985. À época ela era aluna da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, e seu orientador era Gérard Mourou, com quem ela agora divide a honra da premiação.

Mais um motivo para comemorar, segundo Marcia. Isso porque, muitas vezes, apenas o mérito dos orientadores é reconhecido, enquanto que os alunos – que, muitas vezes, realizam de fato a maior parte do trabalho – passam desconhecidos.

“Estou muito contente que eles reconheceram esse protagonismo do estudante”, diz a física brasileira. “É um estímulo importantíssimo para os jovens cientistas.”

Segundo Marcia, exemplos como esse são essenciais para incentivar meninas a entrar para a carreira científica. “Sem dúvida é um exemplo inspirador”, diz o físico Paulo Nussenzveig, da USP. “Ela é uma cientista extraordinária. Não mereceu o Nobel por ser mulher, é uma mulher que mereceu o Nobel.”

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