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Bebê encontra doador cardíaco, mas depende da justiça

Por Agencia Estado
Atualização:

A família do bebê que aguarda por um transplante cardíaco já encontrou um doador: é uma criança nascida em uma maternidade do Rio, com diagnóstico de anencefalia, ou seja, não tem cérebro. Porém, ainda que a compatibilidade entre os dois seja confirmada, os pais de Arthur, que permanece internado no Hospital Pró-Cardíaco, vão ter de recorrer à Justiça para tentar prolongar a vida do filho. "Vou fazer tudo o que eu puder para fazer isso andar. Já consegui uma autorização da Central de Transplantes do Rio, que foi encaminhada a Brasília. Agora tenho que fazer isso chegar até São Paulo", afirmou o pai de Arthur, Rafael Paim. Segundo ele, embora o Rio seja subordinado à uma instância maior, o Sistema Nacional de Transplantes também o é, seja às secretarias do Ministério da Saúde, ao próprio ministério e ao presidente da República. Rafael avaliou que a resistência que tem encontrado se deve à falta de conhecimento sobre a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que autoriza o transplante de anencéfalo mediante autorização dos pais. "O mundo do papel às vezes leva um tempo para ser conhecido, ser adotado. Apesar de um debate amplo, o mundo prático, real, ainda desconhece a resolução", disse, repetindo que vai fazer de tudo "para derrubar" esse obstáculo. De acordo com a chefe do Setor de Cardiologia Pediátrica do Pró-Cardíaco, Rosa Célia Barbosa, o provável doador de Arthur também é do Rio e tem o grupo sanguíneo compatível. Ela contou ter sido informada sobre o nascimento do anencéfalo por volta das 21 horas de quarta-feira e, imediatamente, entrou em contato com as centrais de transplante do Rio e de São Paulo. "Quando surge um doador, é assim que devemos proceder, pois existe uma fila que deve ser respeitada", disse, acrescentando que a coleta de material para realização de exames foi realizada na mesma noite. Se até a divulgação dos resultados Arthur permanecer como o primeiro da fila de transplantes, deverá ser transferido para o Instituto do Coração (Incor), já que a Central de Terapia Intensiva do Pró-Cardíaco é pequena, com apenas quatro leitos, e não possui área de isolamento, necessária para transplantados. Coordenador do Sistema Nacional de Transplantes, Roberto Soares Schlindwein foi taxativo ao afirmar que a legislação brasileira não permite transplante de órgãos de bebês sem cérebro. "Do dia em que nasceu, até a parada do coração, o anencéfalo é um ser humano vivo. Se retirarmos o coração, estaremos determinado a morte dele. Isso não pode acontecer, pois existe um impedimento legal", afirmou. Segundo ele, a lei brasileira só permite transplante de órgãos de dois tipos de doadores: o vivo e o cadáver. Para se enquadrar na categoria de doador, precisa ser maior de idade, livre, estar em plena posse de suas faculdades mentais, dar um consentimento desta vontade de doar e não pode ser prejudicado com a doação. No caso do doador cadáver, ou está em morte encefálica ou sofreu parada cardíaca. Schlindwein explica que os médicos precisam realizar exames que comprovem a morte encefálica. "São testes muito rigorosos e não podem ser aplicados em pessoas com menos de sete dias de vida, segundo resolução do Conselho Federal de Medicina", diz, completando que o teste de respiração é incompatível com o diagnóstico de morte encefálica. "Precisamos, pois, esperar até que o bebê pare de respirar. E quando isso acontecer, não vamos mais poder aproveitar o coração". De acordo com Schlindwein, a resolução do CFM que autoriza o transplante em anencéfalo é "ético, mas não quer dizer que é legal". "Quem determina como deve ser feita a doação de órgãos no País é a Central de Transplantes", declarou. Perguntado se poderia rever a legislação diante de uma autorização judicial para realização do procedimento que Arthur necessita, ele considerou "improvável" que a Justiça dê consentimento, já que passaria por cima da legislação vigente.

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