Bitcoin poderá consumir 0,5% da energia elétrica do mundo até o fim do ano, diz estudo

De acordo com o autor da pesquisa, gasto energético para produzir a moeda virtual poderá afetar metas climáticas; consumo atual já é equivalente ao de uma cidade como São Paulo

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Por Fabio de Castro
Atualização:

Imagine a quantidade de energia elétrica consumida por residências, comércio e iluminação pública em toda a cidade de São Paulo. Essa é aproximadamente a quantidade de eletricidade gasta para produzir a moeda virtual bitcoin, de acordo com um novo estudo.

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Especialistas têm manifestado preocupação com a enorme quantidade de energia elétrica necessária para o processo industrial envolvido na emissão da moeda virtual bitcoin, mas até agora, esse consumo não havia sido medido por nenhum estudo científico rigoroso. 

De acordo com a pesquisa realizada com uma nova metodologia pelo economista holandês Alex de Vries, especialista em bitcoins do Experience Center da PwC na Holanda, a rede de computadores envolvida na produção de bitcoins consome no mínimo 25 terawatts/hora - um valor semelhante ao da energia elétrica consumida na cidade de São Paulo, ou em um país como a Irlanda.

Técnico verifica os ventiladores dos computadores em uma 'usina de 'mineração' de bitcoins no Quebec, Canadá, em fevereiro de 2018; produção da moeda poderá consumir 0,5% de toda a eletricidade mundial até o fim do ano, de acordo com novo estudo. Foto: Christinne Muschi / Reuters

Com a crescente valorização do bitcoin, o autor afirma que esse consumo deverá crescer de forma expressiva até o fim de 2018, alcançando 77 terawatts/hora - cerca de 0,5% do consumo mundial de energia elétrica. A pesquisa teve seus resultados publicados nesta quarta-feira, 16,  na Joule, a revista científica do grupo Cell dedicada a estudos sobre energia. 

"Temos visto muitos cálculos improvisados, mas nós precisamos de uma discussão mais científica sobre o rumo dessa rede. Neste momento, de forma geral, a informação disponível tem qualidade bastante baixa. Por isso espero que esse artigo seja utilizado como fundamento para mais pesquisas", disse De Vries ao Estado.

O economista, que é fundador do blog Digiconomist, dedicado a fornecer informações usuários  de "criptomoeadas", afirma que uma única transação com bitcoin consome tanta eletricidade como a média de uma residência holandesa durante um mês. Se até o fim do ano o consumo subir mesmo para 77 terawatts/hora, ele será equivalente ao de um país como a Áustria.

"Para mim, 0,5% já é bastante chocante. É uma diferença extrema em comparação ao sistema financeiro convencional e essa demanda crescente de eletricidade definitivamente não vai nos ajudar a alcançar nossas metas climáticas", afirmou De Vries.

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De acordo com o economista, se o preço do bitcoin continuar a crescer da maneira como os especialistas estão prevendo, a rede poderá chegar a consumir nos próximos anos algo em torno de 5% da eletricidade do mundo. "Isso seria terrível", afirmou.

Embora o bitcoin seja uma moeda virtual, sua produção causa problemas bastante concretos como a emissão de carbono na atmosfera. Na China, país que concentra o maior número de "mineradores" de bitcoins, a maior parte da energia elétrica é produzida pela queima do combustível fóssil. "A eletricidade com base em carvão está disponível na China com taxas muito baixas e país concentra mais da metade das 'minas' de bitcoin", disse De Vries.

Um estudo feito por ele em dezembro de 2017 em uma "mina" de bitcoins na Mongólia - onde a matriz energética também se baseia no carvão - estimou que uma única transação com o bitcoins pode ter uma "pegada de carbono" semelhante à de um passageiro voando por uma hora em um Boeing 747. "Pelos nossos cálculos, são emitidas mais de 440 quilos de carbono para cada transação com o bitcoin."

Um conjunto de computadores de 'mineração' de bitcoins em ação; de acordo com o novo estudo, a atividade já consome uma quantidade de energia elétrica equivalente à que é utilizada em todas as residências, estabelecimentos comerciais e iluminação pública da cidadede São Paulo. Foto: Christinne Muschi

Energia para "mineração". Os bitcoins são criados por um processo complexo no qual supercomputadores processam continuamente cálculos matemáticos de alta complexidade, em milésimos de segundos, por meio de um software específico. 

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A cada 10 minutos, o software lança uma equação matemática diferente. Ligados em uma espécie de  rede paralela na web, os computadores competem pela chance de desvendar essas equações, para criar a próxima cadeia de transações. O usuário do comutador que decifrar primeiro os códigos é premiado com um lote de 12,5 bitcoins. Esse processo é conhecido como "mineração".

"Você está gerando números o tempo todo e as máquinas que são usadas para isso gastam eletricidade. Se você quiser uma fatia maior do bolo, vai precisar aumentar seu poder computacional. Com isso, há um grande incentivo para que as pessoas aumentem seus gastos em computadores e em eletricidade", explica De Vries.

Metodologia. A metodologia de estimativa do gasto de energia utilizada por De Vries se baseia em calcular em que momento o incentivo deixa de ser economicamente viável. Os princípios econômicos, segundo ele, sugerem que toda a rede de bitcoins em determinado momento alcançará um equilíbrio no qual os custos dos computadores e da eletricidade utilizados na mineração chegarão a igualar o valor do bitcoin produzido. A partir da obtenção desse dado, ele consegue quantificar a eletricidade que a rede utilizará até alcançar o ponto de equilíbrio.

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Outros pesquisadores já haviam utilizado o mesmo princípio em estudos anteriores, mas De Vries foi mais longe. Ele utilizou as informações do Bitmain, o maior fabricante de máquinas de mineração de bitcoins, para estimar quanto dos custos de mineração estão associados aos gastos com hardware, excluindo a eletricidade. 

Embora De Vries tenha confiança em suas estimativas, ele afirma que o problema de seu método é que os fabricantes dos computadores são extremamente sigilosos com seus dados. "Às vezes a melhor informação que temos é um relato instável de testemunhas oculares. É com esse problema que temos que trabalhar a partir de agora."

O economista holandês Alex de Vries, que desenvolveu uma metodologia para calcular o consumo de energia elétrica na 'mineração' de bitcoins; ele é especialista em blockhain - a tecnologia utilizada nas operações da criptomoeda - do Experience Center da PwC. Foto: Cell Press

Segundo De Vries, fazer uma boa estimativa do consumo de eletricidade pelo bitcoin é importante para determinar a sustentabilidade das criptomoedas e para ajudar a formular as políticas relacionadas a elas. Ele afirma que, nos Estados Unidos, alguns estados já começaram a impor restrições à mineração de bitcoins. 

"Mas é preciso que essas políticas tenham fundamento em estudos sérios. Acredito que meu método é importante nesse aspecto, porque ele permite olhar para frente. O seu foco não é o que fazemos agora, mas para onde estamos indo. Acho que isso é algo que realmente precisamos conhecer para poder traçar políticas sobre o assunto", disse.

De Vries afirma, porém, que seus resultados deixam espaço para discussões sobre o método. "Acho que todos concordarão com os números que obtivemos sobre o consumo mínimo de energia utilizada para a produção do bitcoin. Mas as estimativas futuras realmente deixam grande espaço para discussão. De fato, não temos uma abordagem consensual, neste momento, para estimar o consumo de eletricidade no futuro. Espero que meu trabalho abra essa discussão. Eu estou fazendo essa pesquisa, mas tem muita gente que também deve estar estudando isso", declarou.

Cenário: Renato Jakitas

Produção de moeda no Paraguai busca luz mais barata

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No fim de 2017, a bitcoin era assunto no mundo. Em 12 meses, alcançava valorização de 1.300% e enquanto parte dos analistas discutia se ela representava ou não risco de ser uma bolha de mercado, um grupo de brasileiros cruzava a fronteira com o Paraguai para ganhar a vida “fabricando” a moeda no país vizinho.

Fui atrás da história e cruzei a Ponte Internacional da Amizade para a Ciudad del Este, no Paraguai. Lá, descobri que a emissão de bitcoins é um processo industrial, de uso intensivo de energia. Três fábricas tocadas por brasileiros dividem um mesmo condomínio industrial a cerca de 20 km do centro da cidade. Eles me explicaram que estavam no Paraguai apenas pela conta de luz. 

Um quilowatt custa para uma empresa paraguaia US$ 0,04. No Brasil, o preço da energia mais barata (apenas para fins rurais) é sete vezes maior, em torno de US$ 0,28. Essa diferença se dá porque o Paraguai ainda é superavitário em eletricidade. Mas a empresa local de energia, Ande, não faz a menor ideia do impacto de uma fábrica de bitcoin para o sistema. Quando as máquinas foram inauguradas em um local, o bairro inteiro ficou no escuro (a rede pegou fogo). Mesmo hoje, com sistemas especiais, os blecautes acontecem ao menos uma vez por mês. 

A “produção” de bitcoin é feita por supercomputadores, equivalentes a seis videogames de última geração cada. Hoje, cerca de um milhão de máquinas funcionam ininterruptamente no mundo, emitindo 3,6 mil novas unidades de bitcoins todos os dias e consumindo 30 terawatts por hora (Twh) de luz elétrica, mais do que um país como a Dinamarca.

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