Brasil oferece ao Vaticano acordo que repete norma da LDB

Em 2007, na visita de Bento XVI a São Paulo, educadores e religiosos travaram polêmica sobre o ensino religioso

PUBLICIDADE

Foto do author Leonencio Nossa
Por Leonencio Nossa
Atualização:

Embora não considere ideal, a Santa Sé obteve do governo brasileiro a assinatura de um acordo que mantém o ensino religioso facultativo nas escolas públicas da educação fundamental. O acordo não traz mudanças práticas, mas aumenta a garantia da Igreja Católica em assegurar as aulas de ensino religioso. Nesta quinta-feira, 12, na biblioteca do Vaticano, ocorrerá a primeira audiência oficial que será concedida pelo papa Bento XVI ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ONU ressalta importância de tolerância entre religiões A Santa Sé pressionava o governo desde 2000, durante o pontificado de João Paulo II, a fechar um acordo que ratificava a garantia do ensino católico. Temendo polêmicas, o Itamaraty costurou um texto que estende essa garantia a outros credos. Por considerar uma intromissão em assuntos do Estado, o governo não aceitou artigo que dava garantias, ainda, ao cumprimento de feriados religiosos, como Natal e Nossa Senhora Aparecida. O acordo, que terá 20 artigos, praticamente é uma cópia do parágrafo 210 da Constituição e o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que estabelecem o direito individual dos alunos em ter disciplina facultativa de ensino religioso no horário normal das aulas, segundo informação de Vera Machado, embaixadora do Brasil junto à Santa Sé. Em 2007, na visita de Bento XVI a São Paulo, educadores e religiosos travaram uma polêmica sobre um possível acordo que feria o princípio de um Estado laico e separado da Igreja Católica, estabelecido pela primeira Carta da República, em 1891. Havia um temor de mais isenções de impostos à pessoa jurídica católica do que a Constituição garante a outras religiões. O governo ainda não divulgou cópia do texto do acordo. Numa entrevista em Roma, a embaixadora Vera Machado leu os 20 artigos do acordo, especialmente o parágrafo primeiro do artigo 11º, que trata do ensino religioso. "O ensino religioso católico e de outras religiões, de matrícula facultativa, constitui disciplina do horário normal das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, em conformidade com as leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação", destaca o documento. Vera Machado, diplomata de carreira, desdobrou-se nos argumentos de que o acordo é apenas "administrativo" e "diplomático", que junta num texto leis e regras em vigor e não entra em outros temas polêmicos, como aborto e pesquisas com células-tronco. "Pode pegar uma lupa e olhar o acordo. Não há nada que fira os interesses nacionais e o ordenamento jurídico brasileiro", disse. A embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, diretora do departamento de Europa e que conduziu as negociações com a Santa Sé, afirmou que o temor da obrigatoriedade de ensino religioso católico é resultado de "desconhecimento". "O acordo não tem nenhuma malandragem, se tivesse era o meu pescoço que iria para a forca", disse. O acordo, segundo as diplomatas, não permite a entrada de religiosos em aldeias indígenas isoladas, como também se chegou a divulgar - o que iria ferir normas da Fundação Nacional do Índio, de 1987. Por tradição diplomática, Vera Machado evitou associar a pressão da Santa Sé por um acordo ao aumento das seitas evangélicas e, conseqüentemente, da influência cada vez maior da bancada evangélica na Câmara e no Senado. O acordo, que será assinado pelo ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, e pelo secretário do Vaticano de Relações com o Estado, monsenhor Dominique Mamberti, terá de passar agora pelo Congresso. Lula será a 68ª autoridade de "alto nível" a ser recebida por Bento XVI. O encontro terá duração de cerca de 20 minutos. É a primeira audiência oficial concedida pelo papa ao presidente. Em 2007, Lula e Joseph Ratzinger tiveram um encontro privado em São Paulo. A embaixadora Vera Machado disse que o papa não costuma discutir, nesse tipo de encontro, temas controversos. "A crise financeira, por exemplo, pode surgir na conversa, mas acho difícil", avaliou. "Eles devem falar de temas como direitos humanos, justiça social, combate à fome e meio ambiente."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.