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Brasileiros publicam trabalho de reprogramação genética de células humanas

Inserção de genes no genoma de célula adulta fazem com que ela volte a se comportar como célula embrionária

Por Herton Escobar
Atualização:

Um estudo publicado na revista Stem Cells and Development descreve, pela primeira vez na literatura científica, uma linhagem brasileira de células humanas geneticamente reprogramadas para funcionar como se fossem células-tronco embrionárias. O trabalho, liderado por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, detalha a transformação de células da pele em células pluripotentes, capazes de se transformar em vários tecidos especializados.

 

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A reprogramação genética é feita pela inserção de genes ligados a características embrionárias no genoma de uma célula adulta (neste caso, da pele), fazendo com que ela volte a se comportar como se fosse uma célula embrionária. Tradicionalmente, são usados quatro genes - OCT4, SOX2, KLF4 e C-MYC -, introduzidos nas células por meio de vetores virais. No estudo brasileiro, porém, os cientistas usaram apenas três genes: C-MYC, SOX2 e um outro, inédito, chamado TCL-1A.

 

Análises de expressão gênica e diferenciação espontânea in vitro comprovam que as células da pele foram reprogramadas com sucesso pelos três genes e voltaram a ser pluripotentes. Com uma ressalva: injetadas sob a pele de camundongos, elas não chegaram a formar teratomas, um tipo de tumor misto, formado por células de diversos tecidos.

 

A formação de teratomas é vista como prova essencial na caracterização de células embrionárias e equivalentes, como as células-tronco de pluripotência induzida (iPS), produzidas pela reprogramação de células adultas. Por isso, o revisor do trabalho na revista aceitou que as células fossem chamadas de pluripotentes, mas não de iPS. "Significa que elas estão um pouco abaixo das iPS em seu potencial de diferenciação", explica o pesquisador Dimas Tadeu Covas, diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, que assina o estudo com outros oito cientistas. "Vamos explorar se isso tem alguma vantagem do ponto de vista prático."

 

"O fato de não ter havido formação de teratomas pode ser bom ou ruim. Esperamos que seja bom", diz a pesquisadora Virgínia Picanço-Castro, também do Hemocentro, que é a primeira autora do trabalho.

 

Um dos problemas de trabalhar com células embrionárias, diz ela, é justamente a dificuldade em direcionar sua diferenciação para tecidos específicos. Elas são tão versáteis e espontâneas que torna-se difícil controlá-las. Nesse aspecto, as células produzidas em Ribeirão podem ser até mais seguras para um eventual uso terapêutico. "Não precisamos que elas deem origem a tudo. Se formarem o tecido que a gente precisa, já será suficiente", conclui Virgínia.

 

As células reprogramadas não foram testadas ainda funcionalmente, nem em modelos animais nem in vitro. O objetivo agora, segundo Virgínia, é estudar o funcionamento do novo gene (TCL-1A) e tentar entender como ele, em associação com os outros dois (C-MYC e SOX2) induz a transformação das células.

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Outros estudos publicados recentemente fora do Brasil já conseguiram induzir a reprogramação com apenas um gene, mas essa receita genética varia de acordo com o tipo de célula, segundo a cientista.

 

Histórico

 

As células-tronco de pluripotência induzida (iPS) são hoje as preferidas para estudos com células pluripotentes, porque são equivalentes às células-tronco embrionárias, mas não exigem a destruição de embriões humanos para sua obtenção - o que evita uma série de questionamentos éticos sobre esse tipo de pesquisa.

 

A tecnologia de reprogramação genética foi desenvolvida em 2006 pelo pesquisador japonês Shinya Yamanaka, utilizando os quatro genes mencionados acima. Primeiro em células de camundongo e logo em seguida, em células humanas. Nos últimos anos, vários laboratórios, em vários países, reproduziram a técnica e passaram a utilizar as células iPS em pesquisas de rotina.

 

No Brasil, o primeiro a anunciar a obtenção de células iPS foi o neurocientista Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no início de 2009. O resultado foi noticiado pelo Estado. Logo em seguida, o grupo de Ribeirão Preto informou que já tinha, também, produzido linhagens de células iPS, mas que não havia anunciado nada publicamente porque aguardava a publicação de um artigo confirmando a caracterização das células. O resultado é este trabalho publicado na Stem Cells and Development.

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