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Na Rússia, arqueólogos descobrem 'brinquedos mais antigos do mundo'

Um boneco com feições humanas e uma figura de animal mitológico foram encontrados no túmulo de uma criança enterrada há 4,5 mil anos no sul da Sibéria; a região era dominada pela cultura Okunev durante a Idade do Bronze

Por Fabio de Castro
Atualização:

Um grupo de arqueólogos da Rússia descobriu, no túmulo de uma criança da Idade do Bronze, alguns dos mais antigos brinquedos já registrados na História. Os artefatos de 4,5 mil anos - que incluem as cabeças de um boneco e de um animal de brinquedo - pertencem à cultura Okunev, um grupo étnico pré-Histórico do sul da Sibéria. 

Os corpos dos bonecos eram feitos de material orgânico e não resistiram à ação do tempo, mas as cabeças se mantiveram preservadas, segundo os arqueólogos. A descoberta foi realizada no sítio arqueológico Itkol 2, na Cacássia, uma das repúblicas autônomas da Rússia, no extremo sul siberiano.

O boneco de 4,5 mil anos encontrado junto ao corpo de uma criança na Sibéria tem características faciais cuidadosamente trabalhadas; com cerca de 5 centímetros, o objeto entalhado em pedra sabão durante a Idade do Bronze é um dos mais antigos brinquedos já descobertos. Foto: Andrei Poliakov / IIMK-RAN

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A cabeça do boneco, com cerca de cinco centímetros, tem "características faciais cuidadosamente trabalhadas", de acordo com o arqueólogo Andrei Poliakov, do Instituto de História da Cultura Material da Academia Russa de Ciências (IIMK-RAN, na sigla em russo), em São Petersburgo (Rússia). A informação foi divulgada pelo jornal The Siberian Times.

Enquanto a cabeça do boneca foi entalhada em pedra sabão, a cabeça do bicho de brinquedo foi entalhada em chifre. Os cientistas não sabem ainda que tipo de animal a pequena escultura representava, mas a aparência é de uma espécie de dragão ou criatura mitológica.

O túmulo descoberto pelos arqueólogos não pertencia a um membro da elite, mas sim a uma "criança comum", de acordo com Poliakov. Segundo ele, os bonecos serão integrados à coleção de mais de 500 objetos já encontrados na região do povo Okunev, que formam a "mais antiga coleção de brinquedos do mundo".

Poliakov explica que outros bonecos produzidos por povos da cultura Okunev já haviam sido encontrados antes em outras regiões, mas, em geral, suas características reproduziam motivos e outros elementos que indicavam um propósito simbólico para adultos. Os novos bonecos, porém, parecem ter sido feitos para utilização como brinquedos infantis.

Chocalhos pré-históricos. Há dois anos, um berço de madeira foi encontrado às margens do lago Itkul, contendo restos de um bebê e alguns bonecos - um tanto sinistros - reproduzindo rostos de humanos e animais. 

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No total, foram encontrados sobre o peito da criança enterrada oito figuras de madeira com intrincados entalhes representando rostos de humanos, aves, um alce e um javali. Cada uma delas tem cerca de oito centímetros de altura. Os cientistas acreditam que eles podem ser os mais antigos chocalhos de bebê já descobertos.

Na mesma época, uma outra figura da cultura Okunev foi encontrada em um rio da Sibéria pelo pescador russo Nicolai Tarasov. O boneco - que os arqueólogos acreditam representar um deus pagão -  tem olhos amendoados, uma grande boca com lábios grossos e uma expressão facial feroz. 

Em setembro de 2016, os arqueólogos encontraram, também no sítio Itkol 2, na Cacássia, o túmulo de 4,5 mil anos de uma mulher - que pertenceu à nobreza na cultura Okunev - enterrada na companhia de uma criança e diversos artefatos preciosos. 

Dentro da tumba foram encontrados diversos tesouros que incluem um incensário decorado por símbolos solares, mais de 1,5 mil contas que adornavam o traje mortuário da mulher e cerca de uma centena de pingentes feitos de dentes de animais.

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Segundo Poliakov, a tumba da mulher da nobreza Okunev data do início da Idade do Bronze, entre 18 e 25 séculos antes de Cristo. "Para uma época tão antiga, essa mulher tinha muitos itens em sua tumba. Nós não encontramos nada assim em outros túmulos da mesma época e isso nos leva a sugerir que os objetos em sua tumba tinham algum significado ritual", afirmou.

Os especialistas concluíram que a mulher "gozava de um status especial enquanto viveu", por causa dos mais de 100 objetos decorativos feitos de dentes de diferentes animais, vários itens de osso e chifre entalhados, duas jarras, estojos com agulhas de osso em seu interior, uma faca de bronze e as mais de 1500 contas do vestido funerário.

Desenhos solares. Os pesquisadores ficaram especialmente entusiasmados com o incensário, porque ele contem desenhos de rostos em forma de Sol, que são semelhantes a outros objetos de arte pré-históricos já descobertos na Sibéria. 

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"O incensário de argila com três imagens de rostos em forma de Sol, encontrado na tumba, é a descoberta mais importante de todas. Todas as imagens descobertas antes haviam sido encontradas em penhascos, ou em pedras isoladas. Mas o incensário está inserido em um contexto que nos permite saber quando esses desenhos foram feitos", disse Poliakov.

Os cientistas também encontraram, na tumba da mulher, uma lápide de pedra com uma rara imagem de um búfalo com um longo corpo retangular. Esse tipo de desenho não é comum no sul da Sibéria, mas é conhecido no território do atual Casaquistão. Os arqueólogos acreditam que isso é uma indicação de que o povo Okunev migrou para a Cacássia a partir do sul.

Segundo Poliakov, agora que é possível dizer com certeza que esses trabalhos em pedra foram feitos por membros da cultura Okunev, depois de uma datação precisa e de uma restauração, o incensário será exibido no mundialmente conhecido Museu Hermitage, em São Petersburgo.

Ancestrais dos americanos. De acordo com o arqueólogo, a antiga cultura Okunev "não tem paralelos na Sibéria em termos de riqueza e diversidade artística". Segundo Poliakov, o povo Okunev é considerado o grupo étnico mais próximo dos indígenas das Américas. 

Para alguns especialistas, os ancestrais dos Okunev podem ter sido os primeiros humanos a povoar o continente americano, há 12,6 mil anos. Eles teriam utilizando embarcações primitivas para aventurar-se ao largo da ponte terrestre coberta de gelo que ligava a Ásia à América do Norte, conhecida como Beríngia.

Poliakov afirma que as escavações terão continuidade em 2018. "Esperamos fazer descobertas ainda mais raras e espetaculares, quando continuarmos a estudar esse sítio cheio de túmulos e chegarmos à tumba central", declarou o arqueólogo.

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