Catadora recebe prêmio e discursa para chefes de Estado

Em seu discurso, ela quer mostrar 'que o desenvolvimento sustentável não existe se não considerar quem trabalha na base'

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Por Antonio Pita e do Rio
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 Chefes de estado e representantes de governos presentes na reunião de cúpula da Rio+20 conhecerão uma realidade da qual muitos nunca ouviram falar: a dos catadores de material reciclável. Selecionada entre 150 mulheres de todo o mundo, a catadora Claudete Silva Ferreira, de 32 anos, será premiada amanhã por seu ativismo em cerimônia no Riocentro. Em seu discurso, ela quer mostrar "que o desenvolvimento sustentável não existe se não considerar quem trabalha na base." O prêmio Women's Rio+20 Good Practice Award, oferecido por ONGs europeias ligadas às causas das mulheres, será entregue por ministras de estado da Europa e líderes feministas. São cinco mulheres premiadas nas categorias Energia Sustentável, Água e Saneamento, Adaptação Climática e Soberania Alimentar e Trabalho Decente e Saúde, na qual Claudete foi escolhida. Catadora desde os 12 anos, ela foi indicada por uma ONG que lhe assistiu nos momentos de maior carência e que, mais de 10 anos depois, se tornou parceira de suas iniciativas em prol dos direitos dos catadores. Apesar do simbolismo, a escolha para o prêmio não a emocionou. "Não importa se vou discursar para Dilma ou Barack Obama. Minha preocupação é que pelo menos uma pessoa ouça o que tenho para dizer e se conscientize. Senão, na sexta termina a Rio+20, eles voltam para casa e ninguém lembra mais disso". No Rio desde os oito anos de idade, ela viveu na rua e foi pedinte para ajudar a mãe, também catadora, que saiu de São Paulo onde vivia com conforto para fugir do marido que a espancava. Aos 12, ela e seus outros cinco irmãos passaram a coletar materiais pelas ruas do centro, para complementar a renda. Com 15 anos, Claudete engravidou do primeiro filho e saiu de casa para viver com o marido, que a incentivou a aprender a ler e a se engajar politicamente. Criando os três filhos e trabalhando à noite, ela participou de cursos de lideranças jovens, cidadania e capacitação. Em 2005, se tornou presidente de uma cooperativa e coordenadora carioca do Movimento Nacional de Catadores. O trabalho envolve, além da coleta de material reciclável, a ajuda e acolhimento a outros catadores de rua no Rio. Claudete enxerga com desconfiança a conferência que vai homenageá-la. "Será que nossas propostas vão chegar até lá? E se chegar, eles vão dar a importância?" Ainda assim, não esconde o orgulho pelo reconhecimento ao seu trabalho. "Sou mulher, negra, moradora de comunidade pobre, catadora de material reciclável, que para muitos deles é apenas lixo. Sofri todo tipo de preconceito. Mas agora, pela primeira vez, minha vida é reconhecida".

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